Paulo Rangel tem razão num ponto: a educação precisa de uma ruptura. Aliás, a polémica suscitada pelas ideias 'pedagógicas' de Rangel tem sido a parte mais interessante da campanha interna do PSD. Rangel, ao contrário de Passos Coelho, não tem medo de pisar o risco desenhado pela esquerda; não tem receio de romper o cerco do politicamente correcto. Por isso, este candidato a líder do PSD tem enfrentado, de forma desempoeirada, os dogmas do generalíssimo 'eduquês'. No fundo, Rangel tem defendido que o aluno não é o centro da escola. O centro da escola é, isso sim, o conhecimento que o aluno deve assimilar. Com uma previsibilidade pavloviana, os fiscais do antifascismo já soltaram os cães. Para estes profissionais da indignação, Rangel não passa de um defensor malévolo do 'antigamente'. O próprio Passos Coelho, sempre muito sensível às alergias da esquerda, também fez soar este alarme antifascista contra a 'escola' de Paulo Rangel.
Em Março de 2008, numa das primeiras crónicas aqui do Expresso, afirmei que a escola pública não ensina as crianças a desenvolver as capacidades básicas: ler e escrever. Isto porque o 'menino' é rei e senhor. O professor não pode repreender o 'menino', porque isso é fascismo travestido. E esta hiperprotecção do 'menino' acaba por ter um efeito ridículo, quase cómico: muitos alunos acabam o curso superior sem saberem escrever em condições. Ora, ainda hoje recebo e-mails de pessoas que me felicitam por "ter a coragem de dizer isto". Ao mesmo tempo, esta boa gente (quase sempre professores) diz-me que tem medo de falar deste assunto em público. Ou seja, em privado, e só em privado, as pessoas já dizem que os miúdos não aprendem nada na escola. No recato do seu e-mail, e só nesse recato, os portugueses consideram que 'ir à escola' é apenas um hábito social, que não contribui para o desenvolvimento de capacidades e de conhecimentos (são os pais, em casa, que ensinam as crianças). Mas, em público, toda a gente tem ainda medo de criticar esta farsa. Eu percebo: se afrontarem o 'eduquês', as pessoas são, de imediato, rotuladas de 'salazaristas'. Portanto, neste ambiente malsão, Rangel fez a ruptura necessária, porque trouxe para a superfície um debate subterrâneo.
Os pedagogos podem não apreciar as ideias de Rangel, mas o português normalíssimo sabe que este jovem político tem razão. O português ali do 3º direito vê, todos os dias, a escola primária a falhar na tarefa de ensinar o seu filho a escrever e a fazer cálculos matemáticos. O português do 5º esquerdo vê, todas as semanas, a escola secundária a não preparar a sua filha para a faculdade. Aliás, todos os portugueses vêem o ensino secundário a transformar-se, sob a complacência do poder político, numa linha de montagem de preguiça e de desonestidade intelectual. Há dias, descobri que os miúdos completam os trabalhos de casa com um mero copy/paste da Internet. E, pior ainda, descobri que os professores, quando recebem estes copy/paste, não podem chumbar os alunos prevaricadores. Perante esta farsa, só podemos dizer que Rangel tem toda a razão. A escola pública não está a formar cidadãos com capacidade para subir na vida. A escola pública está a formar digitadores de SMS destinados a permanecer na prisão do seu 'contexto sociofamiliar' (para usar uma expressão muito querida do 'eduquês').
Henrique Raposo