Thursday, December 31, 2009

O Cinema na primeira década do século XXI

Decidi fazer uma lista de 10 filmes desta década que adorei, com um pequeno comentário a cada um. O objectivo destes comentários não é fazer uma reflexão sobre cada filme, mas tentar partilhar com os leitores um pouco do fascínio que sinto por eles. Porque me custa sempre ordenar estas listas de preferências, limitei-me a colocar os filmes por ordem alfabética.

Artificial Intelligence: AI, de Steven Spielberg
Os preconceitos com o sentimentalismo Spielberguiano impediram muita gente de apreciar como deve ser este filme absolutamente extraordinário. David é um robot tão real que possui a característica mais humana possível: a capacidade de sonhar. No entanto, para David essa capacidade é insuficiente para se tornar um ser humano: para que tal seja possível, sente ainda a necessidade de ser amado. No fundo, é pouco importante o facto de David ser um robot, pois esta jornada épica diz muito a cada um de nós, por se tratar da busca por conquistar a nossa própria humanidade.

The Aviator, de Martin Scorsese
Em relação à década passada, esta foi menor para Scorsese. Não fez nada com o poder de um Casino, ou de um The Age of Innocence (ou até de um Kundun – não há filme mais injustiçado que este!). Claro que, para a qualidade de Scorsese, menor pode significar excelente. É o caso de filmes como Gangs of New York, de The Departed ou este The Aviator. Resolvi destacar este, pois penso que é aqui que Scorsese vai mais fundo na complexidade das suas personagens (Howard Hughes fechado na sala de projecção é de um poder imenso) e na forma como as filma (a montagem nas sequências das audiências são absolutamente memoráveis).

Big Fish, de Tim Burton
Trata-se do melhor filme de Tim Burton. A abordagem da capacidade de sonhar como sendo parte indispensável da realidade nunca foi tão tocante em Burton como aqui, pois tem como suporte uma poderosa relação pai-filho. Big Fish é ainda a história de uma vida: como os nossos sonhos evoluem constantemente, como quando somos jovens é mais importante a busca pela perfeição do que de facto encontrá-la (Edward Bloom rejeita ficar em Specter, a cidade perfeita), e como a nossa visão sobre o que é bom e mau muda consoante a idade que temos (mais tarde, Bloom já não encontra em Specter a mesma perfeição). Tim Burton já tinha imaginado mundos fantásticos de fantasia, mas nunca tinha abordado de forma tão complexa a seguinte questão: de que forma é que os nossos sonhos se relacionam com a nossa realidade?

Eastern Promises, de David Cronenberg
Como estou preguiçoso nesta véspera de ano novo, prefiro recuperar o que disse sobre este filme quando o vi pela primeira vez no Festival do Estoril. Tudo em Eastern Promises é fascinante, arrebatador, hipnotizante: a simplicidade narrativa em oposição à complexidade de personagens e emoções; a contenção dramática total, em todos os momentos do filme, face à brutalidade do impacto emocional que se vai apoderando do espectador; a banda-sonora de Howard Shore sempre de mãos dadas com essa contenção dramática, nada directa e sem um único momento de climax e de explosão, mas de uma profundidade musical impressionante; a fotografia de Peter Suschitzky, num estilo idêntico ao do A History of Violence, mas ainda mais perfeita e trabalhada a nível de cores e sombras; as interpretações, através da entrega por completo dos actores às personagens, destacando-se obviamente a sóbria (e magnífica) composição de Viggo Mortensen a nível físico e emocional; os diálogos, que muito pouco dizem, porque neste filme de inigualável subtileza nada é dito – nem sentimentos nem emoções –, já que para os captar está lá a câmara de um génio: David Cronenberg.

Gran Torino, de Clint Eastwood
Admito que a presença de Gran Torino é uma escolha política, mas não tive hipótese, pois é a única maneira de conseguir não encher este top de filmes de Eastwood, que resolveu esta década dar-nos uma quantidade imensa de obras-primas: Mystic River, Million Dollar Baby, Letters from Iwo Jima, Changeling – qualquer um destes poderia figurar nesta lista. Escolhi Gran Torino porque não há despedida mais comovente de um símbolo do cinema enquanto actor: neste filme está tudo o que Eastwood foi ao longo da sua carreira. Ao mesmo tempo, aborda temas como a juventude e a velhice, a fé e a religião, a vida e a morte (e como é tão curta a ponte que as liga).

Munich, de Steven Spielberg
Tentei não repetir realizadores, mas neste caso era tarefa impossível, pois não podia deixar de fora o melhor filme político pós-11/09. Devemos defender a nossa pátria ou a nossa própria moral? Spielberg levanta esta questão, mas não lhe responde (terá resposta?). Contudo, mostra-nos algo perturbante: o líder da operação israelita de vingança pelos atentados de Munique caminha inevitavelmente em direcção à morte. Não necessariamente uma morte física, mas profundamente moral e humana, que fica bem explícita no final quando Avner se apercebe de que perdeu uma das características mais intrinsecamente humanas: a capacidade de amar.

The New World, de Terrence Malick
Terrence Malick é o lirismo cinematográfico no auge. Não é difícil obter imagens e cores bonitas em cinema, com actores a debitar frases poéticas; o difícil é fazer com que essa beleza não agrade apenas os olhos, mas também a mente. Isto é, é preciso que essa beleza tenha alguma relação com os sentimentos mais profundos das personagens. Apenas um exemplo que mostra que nada em Malick está lá só para fazer bonito: há uma cena em The New World em que Pochaontas e John Smith expressam sentimentos soltos através de voz-off. Um não ouve o outro, mas o espectador sabe que os seus pensamentos coincidem de tal forma que esses monólogos em off são, na verdade, quase diálogos. Diálogos através de pensamentos… haverá forma mais subtil e poética de mostrar o amor partilhado entre dois seres?

Two Lovers, de James Gray
O jovem James Gray é um dos realizadores mais promissores para o futuro do cinema, sobretudo quando olhamos para os seus dois últimos filmes absolutamente magistrais. Um deles (que também poderia estar nesta lista) é We Own the Night, o outro é Two Lovers. É impossível ficar indiferente a esta poderosíssima história de amor dos tempos modernos, mas que recupera toda a simplicidade clássica de filmar personagens e relações. Joaquin Phoenix entrega uma das melhores interpretações da década.

The Village, de M. Night Shyamalan
Existe uma condição hoje em dia que parece ser indispensável para se ser crítico de cinema nos EUA: gozar com Shyamalan. Felizmente, a Europa foge a esta moda, e o trabalho de Shyamalan costuma ser reconhecido em países como a França. Shyamalan nunca foi tão complexo nos temas e nas personagens como em The Village. Este filme fala-nos do medo, e como ele influencia as nossas escolhas, recordando que este medo talvez não seja apenas uma imposição de forças exteriores, mas sim uma componente impossível de separar da própria condição de ser humano. Fala-nos também da esperança, da coragem e do amor, pois no limite talvez sejam essas as nossas maiores armas para lidar (em lugar da impossível tarefa de procurar eliminar) com os nossos medos mais profundos.

Yi Yi, de Edward Yang
Este é um filme sobre seres humanos e a forma como se relacionam entre eles. O que se encontra na relação com os outros oscila entre o fascínio e o desencanto. Às vezes parece existir só o segundo, porque este ofusca por completo o primeiro. Mas, como diz a certa altura uma personagem do filme, "apercebi-me de que as coisas não são assim tão complicadas; porque é que em tempos pareceram?". Yi Yi é sobre a importância dessa simplicidade, e como ela nos pode revelar o fascínio e a beleza que existe num mundo desencantado. E não há personagem mais fascinante do que a do miúdo de uns 6 anos, cuja curiosidade e a vontade de saber mais não tem limites. No final, confessa que quando for grande gostaria de dizer às pessoas coisas que elas não sabem; agora, enquanto criança, contenta-se em tirar fotografias à parte de trás da cabeça das pessoas, para lhes poder mostrar "aquilo que elas não podem ver".

"O Ano Novo do Doutor de Castro", por Nuno Crato

Destaque habitual para o artigo que Nuno Crato escreve semanalmente no blogue do Expresso Passeio Aleatório, também publicado na edição de imprensa de 24 de Dezembro.

Na Universidade do Estado do Texas, em Huntsville, o professor John M. De Castro dedica-se ao estudo dos hábitos alimentares. Ao longo dos anos tem produzido um número impressionante de trabalhos sobre os condicionantes da dieta humana. Recruta voluntários a quem pede para anotarem durante semanas tudo o que comeram, quando comeram, onde e como comeram. Estuda depois os dados com métodos estatísticos rigorosos.

Há tempos, lendo um interessante livro de Christian Camara e Claudine Gaston ("Pourquoi les marmottes ne fêtent pas le nouvel an?"), reparei que estes dois divulgadores científicos se divertiam a imaginar como comeria o dr. De Castro e como seria o seu dia-a-dia. Talvez ele se distraísse pouco, fizesse uma vida solitária e andasse tristonho pelas ruas. Pelo menos, segundo os seus artigos, é a melhor maneira de não comer de mais.

Fui ler alguns estudos do insigne psicólogo. Um dos mais citados analisa os hábitos alimentares de gémeos monozigóticos que vivem separados. Conclui que os genes determinam quase metade das características alimentares das pessoas, sendo a outra parte derivada do ambiente. Em alguns aspectos, a influência é menor. O excesso de consumo, em particular, parece ser quase todo derivado da permissividade no ambiente familiar de infância. Mas a maneira como esse excesso se repercute na obesidade advém sobretudo de factores genéticos.

Noutro estudo, o psicólogo texano mostra como é importante tomar um bom pequeno almoço, almoçar razoavelmente e comer pouco ao jantar. Parece sensato. Mas quando o dr. De Castro estuda o ambiente em que se tomam as refeições, as coisas tornam-se pretas. Os exageros na comida estão associados ao tempo que se passa à mesa e ao número de convivas. Em média, quando tomamos uma refeição com alguém comemos mais 33% do que quando estamos sozinhos. Se formos três, cada um de nós come 47% mais; se formos quatro, 58%, e por aí adiante. Não há dúvida! O dr. De Castro passou a consoada sozinho e vai entrar no Ano Novo na mesma companhia.

Suspeito também que o seu réveillon se passe em silêncio. Os seus estudos concluíram que a música de fundo propicia um aumento de quase 20% de calorias consumidas e de 30% de bebidas. Ainda mais assustador é o que acontece com a luz. As suas investigações têm concluído que uma boa iluminação, natural ou artificial, talvez por criar um ambiente agradável, propicia um repasto saturado. Imagino que o dr. De Castro passe a noite de Ano Novo às escuras.

Fiquei definitivamente assustado quando li um artigo que ele escreveu em 1993. Mostra uma relação positiva entre a fase da Lua e o excesso alimentar. A correlação não é grande (cerca de 8%), mas é positiva. Pensei que o melhor seria virar as costas para a Lua e fechar as janelas. Mas o seu estudo, na sequência de outros que indicam a existência de ritmos biológicos alinhados com o ciclo lunar, conclui que a influência é inevitável, embora moderada, e que não depende da exposição à Lua. Assustado, fui ver o almanaque e confirmei as minhas piores premonições. A lua cheia acontece este 31 de Dezembro.

Pensei melhor. Este fim de ano, pelo menos, vou tentar esquecer-me do dr. De Castro. Talvez me relembre dos seus conselhos já entrado em 2010.

Nuno Crato

Monday, December 28, 2009

Como o Cinema era Belo


Entre Novembro de 2006 e Fevereiro de 2007, o falecido João Bénard da Costa organizou um ciclo de cinema na Gulbenkian com o título Como o Cinema era Belo. Esse ciclo fechou com chave de ouro, com o fabuloso The New World, de Terrence Malick (só Malick e mais dois realizadores tiveram dois filmes exibidos no ciclo; o outro de Malick foi The Thin Red Line, certamente um dos mais belos filmes de todos os tempos).

Em simultâneo com o ciclo, Bénard da Costa publicou um livro - com o mesmo título - onde escreveu sobre os filmes que escolheu para exibir na Gulbenkian, justificando as suas escolhas. Contudo, sobre The New World limitou-se a transcrever um artigo que Frédéric Saboreaud escreveu para a revista Trafic, onde a certa altura o francês levanta uma questão absolutamente fundamental: "Que diferença existe entre o lirismo e a arte chamada pompier? Entre o cinema e a publicidade?"

Numa altura em que Avatar estreia por todo o mundo e faz um sucesso tremendo junto do público e da crítica (a crítica portuguesa por acaso foi excepção a este entusiasmo generalizado), é importante reflectir sobre esta questão. Quando vemos animaizinhos de todas as cores e feitios, sem qualquer função dramática, a passearem pelo ecrã a 3 dimensões (que já nem símbolos se podem chamar, quanto mais personagens) parece que essa diferença entre beleza cinematográfica e beleza puramente estética começa a desaparecer, numa total confusão de ideias sobre o que é o verdadeiro lirismo cinematográfico. Mas, no referido artigo, Saboreaud faz questão de explicitar que essa diferença

reside na qualidade da montagem, na recusa de agarrar uma forma pela forma, de fazer dela um clip. Malick é o anti Wong-kar-wai. Tudo vacila pelo que antecede e sucede aos planos. Mozart não é amor entre dois seres. É o que o amor irradia antes que se saiba que amamos ou depois de fazermos amor. O amor que irradia sobre o conjunto do mundo e não apenas sobre os dois seres que se amam. Para exprimir esta visão mística, a música nunca sublinha estritamente os planos de par de John Smith (Colin Farrell) e Pochaontas (Q'orianka Kilcher). Pelo contrário, contamina como irradiação os planos que antecedem e os planos que se seguem. Nunca o acento lírico está lá para fazer bonito, para criar uma pausa. Evanesce como acontece e o tempo continua para melhor significar que o amor precede e ultrapassa o humano para se dissolver na realidade.

É por isso que volto a afirmar que The New World é o exemplo máximo do que é um anti-Avatar: na forma como filma a relação do Homem com a Natureza; como aborda o contacto entre culturas distantes; como constrói personagens e as relaciona com o espaço envolvente; como diferencia beleza cinematográfica de beleza estética; e, no limite, como distancia o Cinema do mero clip publicitário.

Nota: sublinhados meus.

Sunday, December 27, 2009

Para quando uma cultura do conhecimento?


Quando C. P. Snow deu a conferência sobre As Duas Culturas - a cultura das ciências e a das humanidades, que se encontravam separadas por uma enorme falta de entendimento e compreensão - não só fez um exemplar retrato da sociedade da época como, sem o saber, foi quase profético em relação ao que viria a ocorrer na sociedade daí a 50 anos. As Duas Culturas de C. P. Snow continuam bem presentes na realidade de hoje em dia, por variadíssimas razões. Normalmente, quando este assunto é abordado, fala-se sobretudo na ignorância em relação à outra cultura; contudo, há outras razões - talvez mais graves - para que exista este fosso enorme que as separa.

Nessa conferência, C. P. Snow acusou ambos de que essa ignorância se estava a instalar, mas foi especialmente crítico dos intelectuais humanistas ao dizer que, para além dessa ignorância, estes revelavam também um enorme desprezo que se baseava na ideia de uma suposta superioridade intelectual. Que é como quem diz, nós estamos num patamar demasiado elevado de intelectualidade para perdermos o nosso tempo com questões científicas e tecnológicas.

Esta ideia é muito comum hoje em dia, e verifica-se sobretudo no desprezo pela matemática revelado por muitos dos que se escapam dela mal terminam o ensino básico. Não saber de história ou de português é considerado grave; no entanto, para muitos não saber de matemática ou de ciência é motivo de um certo orgulho chico-esperto, difícil de compreender. Richard Dawkins, no seu livro Unweaving the Rainbow: Science, Delusion and the Appetite for Wonder, exemplifica e comenta este tipo de situação:

Admitting what you don't know is a virtue, but gloating ignorance of the arts on such a scale would, quite rightly, not be tolerated by any editor. Philistine ignorance of science is still, in some quarters, thought witty and clever. How else to explain the following little joke, by a recent editor of the London Daily Telegraph? The paper was reporting the dumbfounding fact that a third of the British population still believes that the sun goes round the earth. At this point the editor inserted a note in square brackets: '[Doesn't it? Ed.]' If a survey had shown a third of the British populace believing that Shakespeare wrote The Iliad, no editor would humorously feign ignorance of Homer. But it is socially acceptable to boast ignorance of science and proudly claim incompetence in mathematics. I have made the point often enough to sound plaintive, so let me quote Melvyn Bragg, one of the most justly respected commentators on the arts in Britain, from his book about scientists, On Giants' Shoulders (1998).

There are still those who are affected enough to say they know nothing about the sciences as if this somehow makes them superior. What it makes them is rather silly, and it puts them at the fag end of that tire old British tradition of intellectual snobbery which considers all knowledge, especially science, as 'trade'.
O outro aspecto que gostaria de abordar leva ainda mais longe esta ideia de desprezo, e revela uma incompreensão que ultrapassa todas as barreiras do bom-senso. Este aspecto tem que ver com a incapacidade de alguns artistas em aceitar que é possível gostar-se genuinamente de matemática, de ciências e de tecnologia. Repare-se que já não estamos no campo do gosto pessoal, nem no campo em que cada um opina sobre se deve ou não informar-se melhor acerca de determinada área do conhecimento, mas sim no campo em que se questiona a honestidade do gosto alheio.

Várias situações que têm acontecido comigo exemplificam na perfeição o que acabei de referir. Há alguns anos, abandonei a música porque me apercebi de que preferia uma carreira relacionada com uma área mais científica. Nessa altura, foi-me dito por professores meus de música que devia ter consciência de que já não teria no meu futuro profissional uma relação tão íntima com aquilo que iria fazer. Que é como quem diz: os artistas ligam-se de tal forma ao que fazem que vivem-no 24 horas por dia, enquanto os outros olham para a sua profissão como algo separado da sua vida pessoal. Desta forma, foca-se uma ideia muito comum: a ideia do prazer da arte face à frieza desinteressante da ciência.

Outra situação idêntica ocorreu à conversa com uma pessoa intimamente ligadas às artes. Quando lhe contava a história da minha vida, procurei explicar-lhe que a minha mudança de ideias quanto ao meu futuro profissional se devia à minha paixão pela matemática, pela física e pela importância do desenvolvimento tecnológico. Contudo, os argumentos foram inúteis, pois ele acabou por ficar convicto de que o que eu aprendia no Instituto Superior Técnico até me poderia ser mais útil do ponto de vista profissional, mas que era impossível que a minha paixão estivesse ali.

Infelizmente, muitos artistas têm a noção de que todos os outros - ao contrário deles próprios, em que os interesses pessoais e profissionais se fundem num só - vêem a sua profissão (ou, no caso de estudantes como eu, as matérias que estudam) como uma obrigação chata e desgastante, que cumprem apenas para poder viver. E é impossível convencê-los do contrário; de que é possível gostar de outras coisas para além da arte, da história ou da literatura.

Assim, As Duas Culturas vão continuar separadas durante os próximos largos anos, e será impossível fundi-las numa única, muito mais desejável: a Cultura do Conhecimento.

Saturday, December 26, 2009

Pseudo-Ciência nos Telemóveis


O blog De Rerum Natura destaca semanalmente o artigo do físico Robert Park sobre pseudo-ciência, e eu não resisto a colocar aqui o desta semana. Um dos mitos a que Park costuma dar atenção é o de que os telemóveis provocam cancro cerebral. A pachorra para este tipo de invenções sem sentido, por não estar de acordo nem com as teorias científicas nem com os dados experimentais, começa de facto a chegar ao fim. Mas, devido a uma campanha (que começa a ficar famosa) que pretende colocar avisos de risco de cancro nos telemóveis, Park volta a explicar mais uma vez:

From San Francisco to Maine there is a campaign to require cancer warning labels on cell phones. Fact: cell phone radiation doesn’t cause cancer. Cancer agents break chemical bonds, creating mutant strands of DNA. Microwave photons cannot break chemical bonds. This is not debatable. In 1989, Paul Brodeur, a staff writer for the New Yorker, claimed in a series of sensational articles that electromagnetic fields from power lines cause childhood leukemia. Brodeur, however, understood none of this and when virtually every scientist agreed that it was impossible, Brodeur took their unanimity as proof of a massive cover-up. Other anti-science know-nothings followed Brodeur’s lead, shifting their attack to cell phone radiation. Cell phones have since spread to almost the entire population, but with no corresponding increase in brain cancer. Case closed.

"A Ilíada e a guerra", por Miguel Monjardino

Artigo de Miguel Monjardino, publicado na edição de imprensa do Expresso de 19 de Dezembro de 2009.

Há uma longa guerra de guerrilha na Ásia. Vem aí o décimo ano de combates mas o fim do conflito não está à vista. O número de pessoas que suspeitam que o comandante-chefe não tem a determinação necessária para ganhar uma guerra de guerrilha é elevado. Há grandes dúvidas em relação aos objectivos das operações militares. O processo de decisão tem revelado um comandante-chefe em agonia sobre o que fazer.

O comandante-chefe confirma em público as suas dificuldades. Há imensa gente a defender o início da retirada. O melhor guerreiro no terreno parece ter mais qualidades de liderança do que o comandante-chefe e a relação entre os dois é complicada. Os militares nunca conseguiram cercar e destruir o inimigo. Os aliados estão descontentes com a maneira como a guerra tem sido conduzida e com a pouca influência no processo de decisão militar do comandante-chefe.

Parece o Afeganistão, não é? Parece, mas não é. A guerra a que me refiro é a Guerra de Tróia, um longo conflito que opôs os gregos e troianos há mais de três mil anos supostamente por causa do rapto ou da fuga de Helena, a mulher mais bonita do mundo, para Tróia. A segurança internacional e a liberdade foram temas importantes nesta longa e amarga guerra.

A "Ilíada" de Homero, a primeira grande obra da cultura europeia, é um excelente guia para os nossos debates sobre o Afeganistão. Homero escreveu sobre tudo o que é verdadeiramente importante e imortal na guerra - o enorme sofrimento e a destruição causadas, a coragem e a determinação daqueles que têm de combater e as marés psicológicas que rodeiam os conflitos de longa duração. Ao contrário do que muitas vezes é dito, a "Ilíada" não é um poema épico que glorifica a guerra e o combate. Homero é particularmente claro em relação ao preço que a guerra cobra a todos os que a abraçam por obrigação ou opção. No discurso de aceitação do Prémio Nobel da Paz em Oslo, Barack Obama falou sobre isto.

Na sua coluna de quarta-feira no "New York Times", David Brooks chamou a atenção para a influência de teólogos cristãos como Reinhold Niebuhr (1892-1971) no pensamento, discursos e acção política de Barack Obama. Mas, em Oslo, Obama também disse coisas que estão no centro da mensagem da "Ilíada". Depois de dizer que "a guerra é, infelizmente, necessária em certas circunstâncias", o Presidente americano disse que "a coragem e o sacrifício dos soldados é cheia de glória, expressando devoção ao país, à causa e aos camaradas em armas. Mas a guerra em si mesma nunca é gloriosa e nós nunca devemos trombeteá-la como tal". Aquiles e Heitor disseram o mesmo no poema de Homero.

Na véspera de os Comandos partirem mais uma vez, silenciosamente e ignorados pelo resto do país para o Afeganistão, há pelo menos três razões para a "Ilíada" ser lida e discutida com atenção nos departamentos governamentais, parlamento, universidades, academias militares e pelo público em geral.

A primeira tem a ver com a frustração e o cansaço que acompanham qualquer campanha de contra-insurreição como aquela que está a decorrer no Afeganistão. Tal como a maioria dos eleitorados europeus, os portugueses nunca pensaram que as suas tropas poderiam vir a combater nos vales do sul da Ásia. A opção militar da Administração Obama exige mais botas no chão, mais combates e muita paciência estratégica. Para governos como Lisboa isto é um grande problema político. A segunda razão pela qual devemos ler a "Ilíada" está relacionada com aquilo que é necessário para exercer o comando político e militar de uma forma competente na guerra. Finalmente, o poema de Homero explica como é que os líderes da aliança grega geriram e resolveram o problema da desmoralização das suas tropas e opinião pública.

A "Ilíada" é uma obra indispensável para os decisores políticos, militares e civis e, graças à tradução de Frederico Lourenço, pode ser lida integralmente em português.

"The Good Soldiers"
Como é que os soldados de infantaria olham para a guerra? David Finkel do "Washington Post" acaba de publicar um livro indispensável sobre o assunto. Em "The Good Soldiers", Finkel segue o dia-a-dia de um batalhão de infantaria do exército americano em Bagdade entre Abril de 2007 e 2008 determinado a cumprir o seu dever em circunstâncias dramáticas. O que os jovens soldados vivem é uma mistura poderosa de sangue, violência, humanidade, medo, bravura, camaradagem, desespero e tragédia.

Número
3 mil anos depois da Guerra de Tróia, a Ilíada é uma obra essencial para compreender o que está a acontecer no Afeganistão. As dificuldades de uma guerra de guerrilha, o problema do comando e a desmoralização das tropas explicam actualidade da obra de Homero.

Soluções
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O primeiro voo do Boeing 787 Dreamliner é um marco na aviação comercial do século XXI
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Reitores e professores violentamente agredidos por anarquistas dentro das universidades de Atenas e Tessalónica. A violência e o medo nas universidades gregas não tem paralelo na Europa

Miguel Monjardino

Thursday, December 24, 2009

Aulas de Substituição


Num dos últimos programas do Plano Inclinado, Isabel Soares valorizou algumas medidas da anterior Ministra da Educação, entre elas a implementação de aulas de substituição no ensino básico e secundário. As aulas de substituição são realmente uma excelente ideia, mas actualmente não fazem qualquer diferença, dado o estado em que está o ensino.

Estas aulas seriam uma medida adequada para implementar num ensino que já fosse excelente, faltando melhorar um ou outro pormenor. Actualmente, os professores não não são respeitados na sala de aula nem tentam impor autoridade, pois sabem que esta não é incentivada pelo sistema educativo que temos; os alunos não estão lá para aprender, porque já se aperceberam que a escola também não está lá para os ensinar. Neste estado de coisas, em que nem se consegue ensinar português ou matemática, como se quer manter os alunos atentos e interessados em aulas de pseudo-debate em que reina o barulho e a confusão?

As aulas de substituição só fazem sentido num sistema de ensino em que exista autoridade, respeito, interesse e motivação. Nesse caso sim, poderiam ser uma ajuda para melhorar os conhecimentos que são aprendidos nas disciplinas escolares, e implementá-las seria como colocar uma cereja no topo de um bolo já excelente. Como neste caso o bolo não presta, é irrelevante se tem ou não cereja.

Wednesday, December 23, 2009

Boas Festas

O blogue Artes, Scientia, Veritas deseja a todos os seus leitores um Feliz Natal e um Próspero Ano Novo!

E porque não há época mais apropriada que esta para rever um dos mais belos filmes de todos os tempos, aqui fica o final de It's a Wonderful Life, de Frank Capra.


Tuesday, December 22, 2009

Plano Inclinado - Justiça

No passado sábado, o Plano Inclinado foi sobre Justiça, e contou com João Duque, Henrique Medina Carreira e o advogado José António Barreiros.


Saturday, December 19, 2009

Avatar, o Cinema do Futuro?


Faz 12 anos desde que estreou o último filme de James Cameron, altura em que o mega-sucesso Titanic foi lançado. O realizador de Terminator 2, um dos melhores filmes de acção da década de 90, fez com que fosse criada uma grande expecativa em torno de Avatar: há mais de uma década que o filme estava a ser preparado, e só não foi lançado antes porque James Cameron estava à espera que existisse tecnologia suficientemente avançada para corresponder às suas ambições.

Hoje, a tecnologia existe: o 3D e o digital são, de facto, impressionantes. No entanto, o grande talento de Cameron já não se vislumbra desde 1991, ano em que estreou o 2º filme da saga Terminator. A primeira parte de Avatar retrata o contacto do personagem principal com o povo que habita o planeta Pandora, que mantém uma íntima relação com a Natureza. Infelizmente, essa relação é básica e foleira: espiritualismo recheado de diálogos new age vazios de conteúdo; bicharada mística de todas as cores e feitios a passear pelo ecrã só para fazer bonito, sem possuir qualquer funcionalidade dramática; personagens completamente quadradas e simplistas, sem um pingo de complexidade.

De certa forma, esta abordagem é quase a antítese do que Terrence Malick fez em The New World quando John Smith, acabado de chegar a América, estabelece contacto com os indígenas. Nesse filme, a personagem de Colin Farrell descreve, sob o lindíssimo 2º andamento do concerto nº23 para piano de Mozart, um mundo sem invejas, sem violência, sem traição, sem mentiras, sem ódios; apenas a mais pura beleza, gentileza e paz. No entanto, através do poder das imagens de Malick, que embora extraordinariamente belas não estão lá só para isso, vamos percebendo que aquele povo também evidencia, embora de maneira diferente, os vícios que a personagem principal não conseguia ver, garantindo-lhes uma complexidade fascinante. Contudo, em Avatar a beleza é apenas visual, sendo que a profundidade cinematográfica fica ausente. Aquele povo não é composto por verdadeiras personagens, mas apenas por bonecos simbólicos cujo único objectivo é fazer passar a mensagem de Cameron.

Na segunda parte, os humanos resolvem destruir esse mundo pacífico, espiritual e amigo da Natureza. Aqui, o que salta à vista, não obstante a conhecida capacidade do realizador para filmar acção de qualidade, é uma mensagem ambientalista forçada a martelo pelos olhos do espectador adentro, mais uma vez sem o mínimo de subtileza e de complexidade.

Posto isto, queria agora abordar as questões tecnológicas relacionadas com o cinema. Avatar tem sido visto por muitos como o filme que vai revolucionar o cinema, e que acabou de ditar o cinema do futuro. Não é verdade. A tecnologia do 3D tem vindo a ser aperfeiçoada ao longo dos últimos anos, e de facto atinge aqui um estádio elevado de qualidade, sendo que o 3D de Avatar é de um realismo impressionante.

No entanto, é preciso garantir que o cinema não fica em função do 3D, pois é o contrário que deve acontecer. O que temos visto ultimamente é que esta tecnologia não costuma ser utilizada para dar profundidade à imagem e para contribuir para a atmosfera do filme, mas apenas para fazer umas brincadeiras com objectos que parece que vão contra o espectador, e situações parecidas. Cameron conseguiu resistir a esta tentação, mas acabou por falhar na mesma: se as próprias imagens não têm profundidade cinematográfica, o 3D não fará milagres.

E é isto que os realizadores, se quiserem aproveitar as potencialidades das novas tecnologias, têm que ter em mente. Um filme que precisa do 3D para funcionar bem, não passará de uma espécie de viagem de montanha-russa ou de qualquer carrossel de feira-popular. É muito divertido durante os minutos em que se está lá dentro; depois, passou à história. Contudo, isto não é Cinema.

O verdadeiro Cinema fica para a História.

"A Oportunidade de África do Sul", por Miguel Monjardino

Artigo de Miguel Monjardino para o Expresso, publicado na edição de imprensa de 12 de Dezembro de 2010, na coluna Guerra e Paz. Por considerarmos que os textos de Monjardino sobre política internacional são um exemplo de excelência quanto ao que deve ser um artigo de informação/opinião, e que neles estão sempre presentes a moderação e o bom-senso, vamos passar a destacá-los regularmente.


O ano de 2010 será importante para África tentar recuperar importância e visibilidade nos debates sobre a evolução da política e economia internacional.

Os últimos 18 meses foram cruéis para as capitais africanas. Se olharmos para trás, vemos que desde o Verão de 2008 a maior parte das notícias internacionais se tem concentrado em acontecimentos no Médio Oriente/Golfo Pérsico, Ásia do Sul e China. (A campanha eleitoral e a eleição de Barack Obama é a grande excepção a esta tendência).

Pelo caminho, África e os seus problemas tornaram-se menos visíveis e também menos importantes para o resto do mundo. Em 2007, a promessa de acabar com a pobreza em África em 2015. Hoje, a promessa de travar o aquecimento global até 2020.

O ano que aí vem dará aos líderes africanos e aos seus parceiros internacionais a oportunidade de conceder muito mais visibilidade aos problemas e às promessas de África - a avaliação do Painel sobre o Progresso de África, as cimeiras do G-8 e do G-20 e, finalmente, a reunião das Nações Unidas onde será feita a revisão dos progressos ao nível da concretização dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio.

A África do Sul quer aproveitar esta oportunidade. Pretória não deseja ser apenas um símbolo de reconciliação política ou continuar a viver à sombra da história e exemplo de Nelson Mandela. O país tem a geografia, o talento, os recursos, as infra-estruturas e os serviços necessários para desempenhar um papel regional e internacional mais importante. Além disso, terá em Junho e Julho do ano que vem o privilégio político de organizar o Mundial de futebol, um acontecimento que é visto pelos decisores sul-africanos como uma ponte para o futuro.

A grande dúvida é saber se, em Junho e Julho do ano que vem, a África do Sul vai desiludir ou surpreender.

Às áreas em que a África do Sul tem desiludido são basicamente três - educação, desemprego e violência. Tal como acontece em muitos outros países, o poder excessivo dos sindicatos dos professores do ensino primário e secundário tornou-se o principal obstáculo às reformas e à aprendizagem dos alunos mais pobres. Ao fim de 12 longos anos de "educação", o futuro da esmagadora maioria dos alunos é a ignorância e o desemprego que já aflige mais de 20% da população.

No que toca à violência nas cidades sul-africanas, os números falam por si. Em 2008 a polícia sul-africana matou 556 pessoas a tiro. Em 1976, um dos anos mais violentos no regime de apartheid, a polícia matou à volta de 653 pessoas. A crescente militarização da polícia é o sinal mais visível da dificuldade das autoridades em controlar o que se passa nas ruas do país. A evolução da violência urbana em termos internacionais complica ainda mais a tarefa daqueles que terão de manter a segurança durante o Campeonato do Mundo de Futebol.

Tudo isto mostra que há coisas que podem correr mal nas cidades e no acesso aos estádios sul-africanos.

Mas também há muitas coisas que podem correr bem. A África do Sul tem uma forte cultura desportiva e as suas infra-estruturas são de grande qualidade. Tal como acontece no resto do continente, os mais pobres adoram o futebol e fazem dos jogos um grande espectáculo de som, cor e energia.

Os decisores políticos, a sociedade e os jogadores farão tudo o que estiver ao seu alcance para surpreender e impressionar em termos internos e externos. O Mundial de futebol é uma enorme janela política para a África do Sul e para o seu Presidente, Jacob Zuma.

Pela parte que me toca, acho que os sul-africanos serão bem sucedidos. E também acho que o sucesso da África do Sul será benéfico em termos políticos para o resto continente. Mesmo assim, tenho várias dúvidas. O que acontecerá à África do Sul e aos países africanos depois de o Mundial de futebol acabar? O que é que vai acontecer a todo aquele talento e energia?

Miguel Monjardino

Friday, December 18, 2009

"O Palhaço", por Mário Crespo

Destaque para o texto que Mário Crespo escreveu para o Jornal de Notícias, no dia 14 de Dezembro.


O palhaço compra empresas de alta tecnologia em Puerto Rico por milhões, vende-as em Marrocos por uma caixa de robalos e fica com o troco. E diz que não fez nada. O palhaço compra acções não cotadas e num ano consegue que rendam 147,5 por cento. E acha bem.

O palhaço escuta as conversas dos outros e diz que está a ser escutado. O palhaço é um mentiroso. O palhaço quer sempre maiorias. Absolutas. O palhaço é absoluto. O palhaço é quem nos faz abster. Ou votar em branco. Ou escrever no boletim de voto que não gostamos de palhaços. O palhaço coloca notícias nos jornais. O palhaço torna-nos descrentes. Um palhaço é igual a outro palhaço. E a outro. E são iguais entre si. O palhaço mete medo. Porque está em todo o lado. E ataca sempre que pode. E ataca sempre que o mandam. Sempre às escondidas. Seja a dar pontapés nas costas de agricultores de milho transgénico seja a desviar as atenções para os ruídos de fundo. Seja a instaurar processos. Seja a arquivar processos. Porque o palhaço é só ruído de fundo. Pagam-lhe para ser isso com fundos públicos. E ele vende-se por isso. Por qualquer preço. O palhaço é cobarde. É um cobarde impiedoso. É sempre desalmado quando espuma ofensas ou quando tapa a cara e ataca agricultores. Depois diz que não fez nada. Ou pede desculpa. O palhaço não tem vergonha. O palhaço está em comissões que tiram conclusões. Depois diz que não concluiu. E esconde-se atrás dos outros vociferando insultos. O palhaço porta-se como um labrego no Parlamento, como um boçal nos conselhos de administração e é grosseiro nas entrevistas. O palhaço está nas escolas a ensinar palhaçadas. E nos tribunais. Também. O palhaço não tem género. Por isso, para ele, o género não conta. Tem o género que o mandam ter. Ou que lhe convém. Por isso pode casar com qualquer género. E fingir que tem género. Ou que não o tem. O palhaço faz mal orçamentos. E depois rectifica-os. E diz que não dá dinheiro para desvarios. E depois dá. Porque o mandaram dar. E o palhaço cumpre. E o palhaço nacionaliza bancos e fica com o dinheiro dos depositantes. Mas deixa depositantes na rua. Sem dinheiro. A fazerem figura de palhaços pobres. O palhaço rouba. Dinheiro público. E quando se vê que roubou, quer que se diga que não roubou. Quer que se finja que não se viu nada.

Depois diz que quem viu o insulta. Porque viu o que não devia ver.

O palhaço é ruído de fundo que há-de acabar como todo o mal. Mas antes ainda vai viabilizar orçamentos e centros comerciais em cima de reservas da natureza, ocupar bancos e construir comboios que ninguém quer. Vai destruir estádios que construiu e que afinal ninguém queria. E vai fazer muito barulho com as suas pandeiretas digitais saracoteando-se em palhaçadas por comissões parlamentares, comarcas, ordens, jornais, gabinetes e presidências, conselhos e igrejas, escolas e asilos, roubando e violando porque acha que o pode fazer. Porque acha que é regimental e normal agredir violar e roubar.

E com isto o palhaço tem vindo a crescer e a ocupar espaço e a perder cada vez mais vergonha. O palhaço é inimputável. Porque não lhe tem acontecido nada desde que conseguiu uma passagem administrativa ou aprendeu o inglês dos técnicos e se tornou político. Este é o país do palhaço. Nós é que estamos a mais. E continuaremos a mais enquanto o deixarmos cá estar. A escolha é simples.

Ou nós, ou o palhaço.

Mário Crespo

Wednesday, December 16, 2009

Culturas e Culturas

O site The Political Compass disponibiliza aquele que é possivelmente o mais famoso teste de orientação política na internet. São-nos apresentadas várias afirmações, às quais temos que responder concordo absolutamente, concordo, discordo ou discordo absolutamente. A certa altura, aparece a seguinte afirmação:

Não há povos civilizados e não-civilizados, apenas culturas diferentes.

É importante reflectir sobre isto, tentando escapar aos instintos da resposta politicamente correcta e do relativismo cultural. Ainda ontem o Expresso noticiava que uma mulher de 75 anos, na Arábia Saudita, será condenada a 40 chicotadas por se ter encontrado com homens que não eram da sua família. Este tipo de "justiça" que existe em determinados países faz parte de uma cultura que não pode ser tolerada, nem desculpável com base em relativismos. Há que ser absolutamente directo e claro no que toca a este tipo de acontecimentos: eles não são próprios de um povo civilizado.

Há alguns meses, Henrique Raposo relatou o que Lawrence Wright escreveu num livro seu sobre Sayyd Qubt, o fundador do Islamismo. Este homem terá ficado chocado com o que encontrou em Nova Iorque durante o tempo que lá viveu, odiando "aquilo que as sociedades liberais têm de melhor: a liberdade individual, o ambiente cosmopolita, o pluralismo religioso e, claro, a liberdade sexual das mulheres". E depois acrescenta, sem papas na língua: "Os islamitas odeiam aquilo que nós amamos. Ponto final."

Retomo agora o início do texto. Na altura das últimas eleições para a liderança do PS, foi pedido a José Sócrates, João Soares e Manuel Alegre que respondessem ao questionário do Political Compass. Quanto à afirmação referida, todos assinalaram que concordavam. Não percebo este respeito forçado pela falta de civilização de algumas culturas. Comigo não contem para respeitar a violência, a injustiça, o machismo e as obsessões políticas e religiosas que põem em causa o bem-estar da população e a liberdade individual.

Há coisas que, simplesmente, não podemos respeitar.

Monday, December 14, 2009

Ensino Particular vs Ensino Público

No terceiro programa de Plano Inclinado sobre a educação, Nuno Crato, Medina Carreira e a convidada Isabel Soares, directora do Colégio Moderno, discutem, entre outras coisas, o ensino particular e o ensino público.


Sunday, December 13, 2009

"Mártires da Opinião", por Pedro Marques Lopes

Pedro Marques Lopes (PML) é um dos colunistas que leio com mais agrado, tanto no DN (onde escreve semanalmente) como na restante imprensa nacional. Admiro bastante a independência com que escreve, apesar de ser filiado num partido político - o PSD. É muito crítico da actual direcção do partido e em particular de Manuela Ferreira Leite, sobre quem já escreveu alguns artigos a criticar a sua fraca liderança e a falta de soluções tanto para o país como para o partido que lidera. Criticou, entre outros aspectos, a tese absurda da asfixia democrática que tem vindo a fazer escola dentro do PSD, em particular junto de Ferreira Leite e de alguns barões que a rodeiam. Chegou a escrever que essa tese seria o suicídio do PSD nas eleições, o que se confirmou. Por algum motivo, ultimamente esta direcção tem-se dedicado a uma oposição igualmente irresponsável, mas por outras vias.

Hoje, PML escreve sobre algumas ideias absurdas que pairam na nossa sociedade a propósito da liberdade de imprensa. Actualmente, muitas pessoas consideram que alguém, só pelo facto de ser comentador ou colunista num órgão de comunicação, deve ter o direito de inimputabilidade. Por detrás desta palavra cara está uma ideia muito simples: uma pessoa, pelo simples facto de ter um espaço na comunicação social, pode ter "carta branca" para desrespeitar o bom-nome, inventar histórias absurdas sobre a vida privada de alguém, ou simplesmente ofender uma pessoa; tudo isto em nome de uma suposta liberdade de imprensa, princípio consagrado na Constituição.

A par desta ideia, existe também uma confusão muito típica dos nossos tempos: confundir ofensas e falta de educação com ser "politicamente incorrecto". Há menos de uma semana atrás, a deputada Maria José Nogueira Pinto chamou "palhaço" a um deputado do PS durante uma sessão da Comissão Permanente de Saúde. Posteriormente, afirmou que o seu comportamento não foi tolerado porque foi politicamente incorrecto. Ou seja, ofende um colega de outro partido político e ainda se acha uma vítima. Coitada da senhora, deve ser o chazinho de Cascais que lhe anda a fazer falta para se acalmar.

Fiquem então com o texto que Pedro Marques Lopes escreveu hoje para o DN.

Não há colunista que se preze que não tenha feito seriíssimos apelos à responsabilidade. E muito bem. Não há nada pior do que a sensação de viver num país onde a impunidade impera. Ninguém tem culpa de coisa nenhuma e mesmo se alguém é, por remota hipótese, julgado e condenado por algo de impróprio, não faltam as vozes a pedir que seja feito um enquadramento que relativize a situação.

Corre, no entanto, uma interessante teoria que defende o princípio da inimputabilidade para quem escreve textos de opinião. Ou seja, designa-se um texto ou um comentário numa qualquer estação de rádio ou televisão como opinião, e está automaticamente passada uma espécie de autorização para se dizer tudo o que vem à cabeça. Não há qualquer tipo de limites.

Neste espaço, eu posso chamar ladrão a quem me apetecer, posso acusar qualquer cidadão dos mais terríveis e sórdidos crimes, posso pôr em causa a honra ou a probidade de alguém, posso inventar factos ou mentir descaradamente sem que tenha de me preocupar com as consequências das minhas afirmações.

É assim como uma espécie de inversão do ónus da prova só ao dispor dos opinadores. Curiosamente, ou talvez não, são estes os primeiros a exigir que todos os que são alvo da mais díspar acusação venham esclarecer o que quer que seja e também os que mais apelam a todo e qualquer tipo de responsabilidade. Dos outros, bem entendido.

Mas vamos imaginar que um ignorante, desconhecedor deste estatuto quase divino, resolve não gostar que lhe chamem corrupto, intrujão, ladrão ou pior e tenta, pelos meios à sua disposição, defender o seu bom-nome - escusado será dizer que as leis protectoras do bom-nome e da honra devem ser consideradas letra morta.

Bom, além de ser corrupto ou ladrão, o cidadão estará a exercer uma pressão ilegítima sobre o colunista, será um lenhador das raízes do pensamento, um energúmeno que não sabe conviver com a liberdade de expressão.

De um momento para o outro, o opinador passou para o panteão dos mártires da liberdade.

Há partes desta nova doutrina que ainda desconheço. Por exemplo, será que me devo sentir ofendido se alguém me acusar de escrever o que escrevo porque estou ao serviço do partido A ou B? Devo suportar estoicamente se alguém disser que me divirto a ter sexo com ovelhas neozelandesas ou que espanco velhinhas no meio da rua? Como será que devo reagir, confrontado com a acusação de que sou pago para defender o senhor Zulmiro ou a Dona Zulmira? Ou, heresia das heresias, se um qualquer agente de forças obscuras disser que eu insulto, ofendo, injurio ou minto para que toda a gente olhe para mim, me tire da obscuridade e faça crescer a minha cotação no mercado dos media?

Presumo que neste caso o acusador está a vilipendiar o meu carácter e isso é absolutamente intolerável. Ou seja, se eu faço avaliações da personalidade de alguém, está tudo bem, é a minha preciosa liberdade expressão. Se, por mero exemplo, um político põe em questão a minha honestidade ou a minha honra, está a cometer o mais vergonhoso dos pecados. Somos umas espécie de zero zero sete com a vantagem de ninguém nos poder alvejar.

E ai do director de órgão de comunicação social que resolva prescindir dos meus serviços. De certeza absoluta que foi por eu ter ameaçado os poderes estabelecidos, por eu ter "pisado uns calos", por eu não ser "politicamente correcto". Nessa altura descubro - curiosamente, só me apercebo disso no momento em que saio - que esse medium está ao serviço de uma qualquer agenda que não suporta a minha livre opinião.

Claro está que se sou convidado por um qualquer jornal ou televisão para lá exercer a minha actividade é apenas o mercado a funcionar, mas se for dispensado só pode ser perseguição política.

Pois claro, isto é um país de impunidade, uma terra de irresponsáveis. Nós que escrevemos opinião somos o sal da terra, os puros, os bons, os honestos e ninguém nos pode pôr em causa.

Educação: Parte II - O que está mal no ensino superior


Antes de abordar em detalhe os principais problemas que afectam neste momento o ensino superior, devo referir que não só este funciona muito melhor do que o ensino pré-universitário, como para além disso alguns dos seus problemas mais graves são consequência directa do que se passa no ensino básico e secundário.

Posto isto, creio que os problemas do ensino superior são, essencialmente, dois, que aliás se encontram intimamente ligados: a falta de preparação de muitos alunos que lá chegam e, consequentemente, a descida de exigência que algumas faculdades têm vindo a fazer, de forma a que se mantenham níveis aceitáveis de reprovações.

O facto dos cursos técnicos estarem completamente descredibilizados em Portugal, e de qualquer coisa ser considerado uma licenciatura de ensino superior, faz com que cada vez mais alunos, e com cada vez menos preparação, entrem no ensino superior. Algumas faculdades não resistem e pressionam os professores para moderar a exigência ano após ano. Caso contrário, perderão alunos e financiamentos.

Isto levanta duas questões. Uma delas foi recentemente colocada por um membro da Sociedade Francesa de Matemática, quando, na última época de exames nacionais, o Expresso o questionou sobre se a Sociedade Portuguesa de Matemática tinha razões para estar preocupada com o nível de dificuldade (ou de facilidade) dos nossos exames. A resposta foi afirmativa, e depois deixou a questão: será que este novo nível de exigência é suficiente para formar cientistas, engenheiros e técnicos de qualidade? E respondeu: é provável que não.

A outra questão, que está bastante relacionada, tem que ver com as diferentes reacções das várias universidades a esta baixa de exigência. Há faculdades que resistem, procurando a diferenciação através de um ensino que se mantém exigente e afincadamente teórico, há outras que não. Há poucos anos, o ministro Mariano Gago tomou uma medida importante para garantir uma certa uniformização entre os alunos que concorrem para ciências e engenharias: todos estes cursos devem ter o exame de matemática como prova obrigatória de entrada. Contudo, isto exclui as universidades privadas. Na Lusófona, por exemplo, é possível entrar em alguns cursos de engenharia só com o exame de português. Que tipo de matemática se poderá exigir a alguns dos alunos que entram na universidade nestas condições?

É preciso ter em atenção, no entanto, que o exemplo de uma universidade privada no anterior parágrafo não significa, de todo, que o ensino superior público seja obrigatoriamente mais exigente e credível que o ensino privado. A Universidade Católica Portuguesa, que se tem diferenciado através de um ensino sério, e cuja projecção internacional tem vindo a aumentar cada vez mais, mostra que o ensino superior privado de qualidade pode crescer e competir com o público. O que se verifica é que tudo depende de faculdade para faculdade.

De facto, essa é uma reflexão que é necessário fazer: na entrada para o mercado de trabalho, como vai pesar o facto da exigência ser tão variável entre faculdades? Mais tarde ou mais cedo, as entidades empregadoras vão perceber que há médias de curso de 10 que valem mais que outras de 15, e vão querer saber, nesta completa inversão de valores, como distinguem os profissionais sérios e capazes, dos que não tiveram um ensino que lhes permita vencer os desafios da actualidade. Visto que a média de curso começa a deixar de reflectir esse dado importante, este valor poderá começar a não ser mais do que um pequeno pormenor do currículo. O que as entidades empregadoras quererão saber, acima de tudo, é em que instituto superior foi a pessoa em questão formada.

Friday, December 11, 2009

Educação: Parte I - O que está mal no ensino básico e secundário

Tudo mudou no ensino português com a excelente chegada da democracia. A educação, que antes estava disponível apenas para uma pequena elite priveligiada, passou a ser obrigatória para todos. E nunca poderá voltar a deixar de ser assim: um ensino universal é essencial numa sociedade democrática. Embora esta consideração possa parecer evidente, nunca é demais referi-la, pois muitos teóricos da educação, e não só, apegam-se frequentemente a este facto para descredibilizar os que criticam o ensino de hoje: quem aponta o dedo aos problemas da educação é acusado de ser contra a democracia e contra a igualdade. Este ataque desonesto e demagógico não tem, obviamente, qualquer fundamento. Que o ensino tem que ser para todos já é ponto assente para qualquer pessoa. A raiz do problema já não tem que ver com quantidade, mas com qualidade.

Ao longo dos últimos tempos, tem sido evidente o crescente facilitismo no ensino básico e secundário. Os programas e os exames têm sido alvo de duras críticas por partes de especialistas nas respectivas matérias. Por exemplo, as Sociedades Portuguesas de Matemática, de Física e de Química têm-se queixado ano após ano destas duas questões. Os programas de Matemática, disse Nuno Crato num dos últimos programas do Plano Inclinado, têm sido elaborados sobretudo por teóricos da educação: a SPM não foi consultada, e a contribuição de matemáticos foi muito secundária. Quanto aos exames, existe ainda outro dado que nos alerta para o facto de algo estranho se passar: as bruscas oscilações na média geral dos alunos de ano para ano mostram muito bem que os exames não são fiáveis. Dada a lentidão com que os sistemas educativos evoluem, uma variação desta natureza faz desconfiar que os padrões de exigência estão a ser modificados.

O plano curricular dos alunos é também cada vez mais preocupante. A transmissão de conhecimentos em matérias fundamentais passou a ser secundária no papel da escola, que tem de estar agora preocupada com dois objectivos considerados de maior importância. Um deles tem que ver com uma função meramente social, que é a de garantir que não há diferenças entre os alunos. Este conceito, muito ligado ao da chamada escola inclusiva, tem tido consequências muito negativas, pois o que se quis não foi garantir que as diferenças deveriam ser ultrapassadas dando um enorme apoio aos que têm mais dificuldades, e ao mesmo tempo evitando limitar-se a evolução daqueles com melhor preparação. Na verdade, o que se quis foi fingir que, à partida, essas diferenças não existiam de todo, e fazer tudo para que fossem disfarçadas, facilitando na avaliação e pondo em prática as teorias relativistas que procuram sustentar que qualquer opinião enunciada por um aluno é tão válida como qualquer outra, mesmo que não seja suportada por conhecimentos, mas pela ignorância.

O outro dos objectivos fundamentais que hoje se atribui à escola é o da transmissão de competências. Embora ninguém perceba muito bem o que se quer dizer com competências, a ideia que passa é a de que o ensino tem que ser mais prático, mais intuitivo, mais concreto, evitando-se teoria, a memorização e o raciocínio abstracto. A maioria das disciplinas que resultaram da última reforma da estrutura curricular evidenciam, de forma inequívoca, o que acabei de enunciar. Não consigo conceber como se continua a achar que não é fundamental que um aluno do ensino secundário de ciências conheça mais aprofundadamente a história do seu país e do mundo onde vive, ou que seja dispensável que um aluno de humanidades melhore o seu raciocínio lógico-dedutivo através da matemática, quando simultaneamente se introduzem disciplinas de brincar, como área de projecto e afins. Temo que este conceito da importância das competência não passe de um eufemismo para dispensa do conhecimento.

Finalmente, existe ainda o grave problema da formação e colocação de professores. É importante lembrar que a formação de professores, actualmente, assenta na mesma lógica que o ensino dos alunos. Isto é, é considerado muito mais importante que um professor do básico e do secundário receba uma intensa formação em teorias pedagógicas muito duvidosas, ao invés de possuir um aprofundado conhecimento na disciplina que ensina. Quanto à colocação de professores, é preocupante que esta se baseie apenas na nota final de curso, quando os critérios de faculdade para faculdade são tão variáveis. É urgente a criação de um exame de acesso à carreira docente que teste os conhecimentos essenciais dos professores, em matéria de conhecimentos gerais e específicos da disciplina que vão ensinar. Caso contrário, incentivam-se os institutos superiores a apostar no facilitismo e na subida forçada de notas, pois tais institutos serão as escolhas de topo para os que querem seguir uma carreira de docente. Estes futuros professores sabem bem que, no concurso de colocação, serão penalizados caso tenham apostado numa formação baseada na exigência e no conhecimento.

Dito isto, precisam-se de algumas reformas fundamentais na educação. Mas, olhando para a tendência recente, estas reformas parecem ser um objectivo cada vez mais longínquo de se atingir. Na parte II deste texto, procurarei abordar aqueles que penso serem os problemas fundamentais do ensino superior.

Wednesday, December 9, 2009

Átomo


No documentário Átomo, da BBC, o professor Al-Khalili, numa série de 3 episódios, leva-nos por uma extraordinária viagem pela história da ciência recente, começando pela descoberta do átomo, e percorrendo toda a ciência do século XX, terminando com as principais questões sem resposta que são colocadas actualmente.

Al-Khalili começa parte da descoberta do átomo e do surgimento da mecânica quântica para nos contar sobre uma das grandes batalhas da física do século XX: as diferentes visões sobre esta nova disciplina da mecânica quântica. De um lado, os tradicionalistas, como Einstein e Schrödinger; do outro, a Escola de Copenhaga, com Neils Bohr, Heisenberg, e outros. Depois, fala-nos da descoberta da radioactividade, do que se passa dentro do átomo, de como são formados os núcleos mais pesados, e como tudo isto levou à teoria do Big Bang. Finalmente, no terceiro episódio ficamos a saber como Paul Dirac uniu a mecânica quântica com a relatividade restrita para descrever o que se passa com o electrão, e como Richard Feynman generalizou a sua teoria para formar a disciplina a que hoje chamamos de electrodinâmica quântica - "a jóia de toda a física", como o próprio Feynman afirmou.

Recomendo este fascinante documentário a todos os que se interessam por ciência, pois Al-Khalili, para além de ter uma incrível facilidade em explicar intuitivamente as ideias que estão por detrás da área tão contra-intuitiva da mecânica quântica, tem ainda uma capacidade muito especial para cativar os espectadores: sabe como, de forma fascinante, contar uma história. Neste caso, a história da ciência no século XX.

Deixo aqui o link para o post do Átomo e Meio em que o professor Rui Barqueiro divulgou o documentário.

Monday, December 7, 2009

Plano Inclinado - Ensino e Ciência

No Plano Inclinado desta semana, Nuno Crato, João Duque, e a convidada Fátima Bonifácio, discutem Educação e Ciência.


Racionalidade, Bom senso e Pragmatismo

O meu amigo Jorge Dias, estudante de Humanidades, escreveu este mês para o jornal amador setubalense Ecos um parágrafo que me parece da maior pertinência, e como tal vou citá-lo aqui. Mas, antes disso, gostaria apenas de fazer uma pequena introdução. Quem percorre caixas de comentários de blogs e de jornais online não pode deixar de se aperceber da quantidade de lixo que lá existe. Em geral, não há opiniões mais básicas, mais primárias, mais ausentes de qualquer tentativa de utilização da razão e da lógica, do que aquelas que se encontram nesses locais. Fica a dúvida: esses comentários reflectem aquilo as pessoas que os escrevem de facto pensam, ou será que consideram simplesmente que, quando estão sob a capa protectora do anonimato, é dispensável a atitude de pensar? Seja qual for o caso, não sei o que será mais preocupante.

Aqui fica o texto:

Mais do que estar atento à realidade, temos, a cada dia que passa, o igual dever de conhecer e de aprofundar esse conhecimento. Quando não nos damos a este trabalho, abre-se um livro que é lido em contornos meramente superficiais. Mas, posto isto, há ainda que evoluir para um estádio final, que se traduzirá num nível de bom senso que nos permita dosear inteligentemente a importância que atribuímos a factos e eventos com os quais nos deparamos. Como exemplo, li uma notícia na página online do jornal Expresso relatando suspeitas sobre vários climatologistas que terão exagerado dados sobre o aquecimento global. Sublinho que, a ser verdade, é impossível concordar com tamanha falta de transparência. Contudo, as reacções que surgiram no seguimento disto começavam pela banalização fulminante do tema do clima, misturando-o desajeitadamente com o da poluição, e só terminavam no questionamento do valor da própria pesquisa científica. Fiquei assim com a sensação que para os leitores do Expresso online bastou esta notícia para que respiremos melhor e até para que a Ciência perca a sua importância.

Há que observar este nosso mundo por um prisma de racionalidade, bom senso e pragmatismo, o que muitas vezes não acontece.

Sunday, December 6, 2009

Suíça e Minaretes - Ocidente e Liberdade Religiosa

No passado dia 29 de Novembro os suíços manifestaram a sua vontade, através de referendo, de introduzir na respectiva Constituição uma proibição respeitante à construção de minaretes. Estas estruturas consistem, basicamente, em torres de mesquitas, das quais são anunciadas as cinco chamadas diárias à oração, representando, desde logo, um símbolo da presença islâmica.

É importante indagar as causas que levaram à existência desta atitude por parte da maioria da população de um Estado desenvolvido, constitucionalmente laico e neutro, situado na Europa central. Além disso, este episódio deve suscitar uma profunda reflexão sobre o papel que o mundo ocidental deve desempenhar no domínio da liberdade religiosa.

Na verdade, é inegável que se verifica na nossa sociedade um clima de medo respeitante à intolerância e ao extremismo do Islão. É certo que a existência de várias facções radicais islâmicas contribuem para este facto mas, por outro lado, este é motivado frequentemente pela ignorância que leva a generalizações infundadas. Neste caso concreto, parece ser isso que acontece, estando-se a restringir, de algum modo, uma liberdade religiosa susceptível de ser exercida sem pôr em causa outros direitos.

É óbvio que não é admissível permitir um exercício religioso baseado em extremismos e que não respeite as liberdades alheias. Mas, da mesma forma, não é admissível restringir uma liberdade sem um fundamento válido, sendo este comportamento, por si só, intolerante e algo extremista. Deste modo, corre-se o risco de se adoptarem medidas que, na sua natureza, são semelhantes àquelas que o Islão é acusado de promover. Face a isto, penso que se queremos um mundo onde a liberdade é assegurada, não podemos ter uma atitude que não se conforme com ela, sob pena de surgir uma verdadeira crise de valores, de identidade e, inclusivamente, de credibilidade.

De facto, a simples existência de um referendo sobre esta matéria é, por si mesma, reveladora de uma mentalidade tendencialmente intolerante, que confunde laicidade com laicismo. Há que reflectir sobre se este é o caminho que devemos seguir para chegar a um mundo melhor. Parece-me que, numa altura em que se comemoram os vinte anos da queda do Muro de Berlim, devia ser evidente que a construção de novos muros não é uma boa solução.

Friday, December 4, 2009

Sá Carneiro - vinte e nove anos depois

Faz hoje vinte e nove anos que partiu Francisco de Sá Carneiro. Um homem que fez parte da Assembleia Nacional do governo de Marcelo Caetano nos anos de 1969 e 1970 e que, juntamente com a restante Ala Liberal que liderava no Parlamento, sempre dedicou o seu tempo a apresentar propostas que visassem aproximar Portugal das democracias europeias da altura. Infelizmente o seu sonho não foi possível durante esse período, saindo em ruptura com a restante estrutura partidária por não ter conseguido apoios na sua proposta de sufragar universalmente o cargo de Presidente da República.

Após a Revolução de Abril de 1974, fundou no dia 24 de Maio desse mesmo ano o PSD, juntamente com Magalhães Mota e Pinto Balsemão. Foi Primeiro-Ministro durante praticamente todo o ano de 1980 no famoso governo da Aliança Democática, que viria a ter o seu fim no dia em que o avião de Sá Carneiro se despenhou em Camarate, avião esse onde seguia também Adelino Amaro da Costa, do CDS.

Ainda hoje se especula sobre a origem deste desastre. Terá sido atentado ou acidente? Ao fim de oito comissões de inquérito que envolveram peritos na área da aviação, políticos e advogados, o caso foi encerrado a nível parlamentar, concluindo-se que Sá Carneiro foi vítima de atentado. Apesar desta conclusão geral, o assunto é tudo menos pacífico a vários níveis. A nível técnico, inúmeros peritos de aviação mantêm a tese de acidente como a mais provável para a queda do avião a 4 de Dezembro de 1980.

No meio de tanta dúvida surge um certeza: partiu uma das mais altas figuras a nível político que alguma vez a III República conheceu. Apesar de ter nascido dez anos após a sua morte e não ter presenciado nada da obra política de Sá Carneiro, sei o suficente para admirar um homem que sempre lutou pelas suas convições, mas com o máximo de respeito pelos seus opositores. Um homem que foi incansável na procura de soluções para tornar Portugal numa verdadeira democracia ocidental, através de ideais nobres, tendo sempre o humanismo social democrata e o indivíduo em particular, como o centro de toda a sua acção política.

Aos quarenta e seis anos morria Francisco de Sá Carneiro, e todo um país chorava a sua perda e cobria-se de negro. Onde quer que esteja, Paz à sua Alma!

"Obviamente, demito-o"

Destaque habitual para a crónica semanal de Henrique Raposo, no Expresso, publicada na edição de imprensa de dia 28 de Novembro de 2009.

No Verão, o Expresso disse logo que Sócrates sabia que a PT estava a comprar a Media Capital. Ninguém desmentiu esta notícia. Assim, temos toda a legitimidade para fazer a pergunta indigesta: o primeiro-ministro (PM) mentiu ao país? Aliás, o omnisciente cata-vento do regime, o professor Marcelo, disse várias vezes que não acreditava que Sócrates não tinha conhecimento do negócio. Portanto, temos no poder alguém que é percepcionado como, vá, um Pinóquio aprumadinho. Mas o pior nem sequer é a - possível - mentira de Sócrates. O pior é mesmo a inércia da elite 'comentadeira'. Perante o - hipotético - nariz XXL de Sócrates, esta malta mediática encolhe mediaticamente os ombros.

Quando a inércia chega a este ponto, o problema já não está no PM. O problema está, isso sim, na cobardia da dita elite. Estamos a falar da gente que sovava Santana Lopes todos os dias (e Santana, ao pé de Sócrates, é um menino). Esta indignação selectiva tem uma explicação: bater em Santana não tinha custos; bater em Sócrates tem um preço alto. É por isso que ninguém quer ver o óbvio ululante: se mentiu, Sócrates não tem condições para continuar a ser PM.

E os factos que namoram a demissão de Sócrates acumulam-se. Aparece um todas as semanas. Num trabalho da "Sábado", ficámos a saber que empresas públicas retiraram publicidade de jornais que incomodavam Sócrates. No centro desta publicidade selectiva até está um banco - teoricamente - privado: o BCP, onde Armando Vara tinha o pelouro da publicidade, cortou 75% de publicidade no "Público" e 68% no "Sol" (um facto eloquente).

Depois, José António Saraiva afirmou que alguém próximo do PM tentou subornar o "Sol" no sentido da não-publicação de notícias sobre o Freeport; como não aceitou o suborno, o jornal sofreu uma retaliação económica liderada pelo BCP. Perante a gravidade destas acusações, o Ministério Público (MP), e não a ERC, tem de entrar em cena. Esta não é uma mera questão técnica de regulação dos media. Esta é uma questão política e potencialmente criminosa.

O MP só tem dois caminhos: ou prova que Saraiva é um 'ser' inimputável, ou descobre que Saraiva está mesmo a dizer a verdade. Mas, claro, o MP vai ficar quieto. E nós, mais uma vez, vamos ficar sem uma resposta para a pergunta que paira no ar: o nosso PM é um perigoso Berlusconi de esquerda, ou é uma pobre vítima de uma cabala cinematográfica saída da mente de Dan Brown?

Apesar de tudo, no meio deste pântano de impunidade e cobardia, há uma coisa que me dá prazer em doses tântricas: Sócrates já é o pior primeiro-ministro da democracia. Ninguém tem coragem para o demitir agora, mas Sócrates já foi demitido pela nossa memória colectiva.

O povo português associará sempre o nome de Sócrates a coisas pouco recomendáveis. Uma enorme e legítima desconfiança irá sempre pairar sobre o nome de Sócrates. E isso, meus amigos, dá-me um enorme prazer. Deus pode dormir, mas a história não.

O "B-A, BA"

Quando um ministro acusa magistrados de "espionagem", só tem duas saídas: ou tem o ás e a manilha de trunfo (isto é, prova o que diz) ou demite-se. Se não tiver a dignidade para se demitir, tem de ser demitido pelo PM.

Henrique Raposo

"A Maior Experiência do Mundo"


Há uns dias, falei do facto do LHC ter atingido um recorde de energia de 1.18TeV. Hoje, na sua crónica para o Sol, Carlos Fiolhais explica qual é o significado dessa energia, e como é difícil imaginá-la.

O que significa a energia de 1 TeV? O prefixo tera vem do grego e significa monstro. Um tera é, de facto, um número monstruoso: um milhão de milhões, um número que se exprime pelo algarismo um seguido de doze zeros: 1 000 000 000 000. O electrão-volt (1 eV), uma unidade muito usada na Física, é a energia adquirida por um electrão quando submetido à tensão eléctrica de um volt. Trata-se de uma energia típica da Física Atómica, ao passo que o milhão de electrões-volt (um megaelectrão-volt ou 1 MeV) é uma energia típica da Física Nuclear. A energia que acaba de ser obtida na maior experiência do mundo, realizada com a maior máquina do mundo, só dificilmente pode ser imaginada: é cerca de um milhão de vezes maior do que a energia necessária para arrancar um protão de um núcleo atómico.

No entanto, não se fica por aqui. Estes são apenas os testes iniciais. Para o professor de física da Universidade de Coimbra, aquela que refere como sendo "a maior experiência do mundo" ainda mal começou a contribuir para a ciência, estando apenas a preparar-se para um fantástico ano de 2010.

Planeia-se atingir em cada feixe – na experiência, há dois feixes de protões que chocam frontalmente, tendo já sido registadas as primeiras colisões – a fantástica energia de 7 TeV. O Natal e Ano Novo vão, no CERN, ser passados a trabalhar para que 2010 seja um grande ano para a ciência. No próximo ano saberemos mais sobre o Universo, tanto sobre a sua constituição como sobre a sua origem.

Thursday, December 3, 2009

Aquecimento Global

Existe actualmente uma confusão enorme em torno do aquecimento global, devido a vários factores: diversos exageros de parte a parte, razões políticas que determinam as opiniões de algumas pessoas, ou ainda os artigos pseudo-científicos que de vez em quando vão surgindo.

A referida questão das razões políticas é grave, mas de facto tem acontecido. É perfeitamente claro que, de uma forma geral, tanto os que defendem o aquecimento global com unhas e dentes como os que o recusam, tendem a identificar-se com determinadas vertentes políticas (como é evidente, isto não se verifica para todas as pessoas, tratando-se apenas de uma tendência). Isto deve alertar-nos para a possibilidade da opinião de algumas destas pessoas sobre as alterações climáticas não se suportar em razões de carácter científico, mas sim de carácter político. Este é o caminho errado se queremos aumentar o nosso conhecimento sobre o que se passa com o clima. A boa ciência requer sempre que se coloquem os desejos emocionais de parte.

Quanto a artigos pseudo-científicos sobre este tema, exemplos deste tipo são análises que recusam o aquecimento global por causa de um mês em particular ter sido especialmente frio. Como é evidente, o aquecimento global nunca poderia ocorrer sem oscilações, daí que a presença de meses que batem recordes de temperatura mínima não contradigam, de todo, o aquecimento global.

Mas este é apenas um exemplo. Durante as últimas semanas, no De Rerum Natura, o bioquímico David Marçal tem destacado alguns artigos seus para o Inimigo Público sobre as alterações climáticas, comparando-os com artigos supostamente sérios da imprensa generalista. É chocante, mas a diferença, de facto, não é muita. Deixo aqui apenas um exemplo, mas mais podem ser encontrados no respectivo blog.

Entretanto, o mesmo David Marçal escreveu um texto em que explica por que razões defende a tese do aquecimento global provocado por factores antropogénicos. Tal texto é de uma lucidez e racionalidade raras em artigos sobre o referido tema. Destaco as seguintes passagens:

Existe consenso na comunidade científica sobre esta questão. Segundo um estudo publicado pela historiadora de ciência Naomi Oreskes na Science em 2004, dos mais de 900 artigos publicados entre 1993 e 2003 sobre alterações climáticas nenhum refutava a ideia de que a Terra está a aquecer por causa da actividade humana. (...) A haver contestação ao aquecimento global por causas humanas, ele não é publicado em revistas científicas.

A serem falsas as conclusões de que o planeta está a aquecer por causa das emissões de dióxido de carbono com origem na actividade humana teria que haver uma conspiração com dimensões mirabolantes. Envolveria uma miríade de institutos de investigação e organizações meteorológicas, editores de revistas científicas, assim como um grande número de investigadores (...). Uma tal convergência, mesmo contando com um efeito rebanho que faria dos cientistas que estudam o clima uma multidão de adolescentes a seguir uma banda de heavy metal, parece-me improvável.

Essa conspiração extraordinária envolveria cientistas que nunca se conheceram, de várias gerações.