Destaque semanal para o texto que Nuno Crato escreveu no blogue Passeio Aleatório, do Expresso, também publicado na edição de imprensa de 28 de Novembro.
O chocolate faz bem — é o que se tem concluído de há algum tempo a esta parte a partir de várias investigações feitas por nutricionistas e fisiólogos. Ou seja, como gostam algumas pessoas de dizer, “a ciência diz que o chocolate faz bem”. Os gulosos ficam contentes.
Chegou-nos há dias mais uma notícia desse género. Investigadores suíços e alemães publicaram no “Journal of Proteome Research”, da sociedade norte-americana de química, um artigo sobre os efeitos metabólicos do chocolate, realçando os seus resultados benéficos para o organismo.
Na realidade, dizer que “o chocolate faz bem” é muito pouco. Os investigadores têm sido e são muito mais específicos, caracterizam o tipo de chocolate e explicam quais são os seus efeitos em alguns aspectos do nosso metabolismo e para determinadas quantidades do produto. Há, como se sabe, vários tipos de chocolate. Há o dito chocolate escuro, ou negro, que é aquele que tem sido estudado, pois os outros, como o dito “branco” e o dito “de leite”, contêm percentagens elevadas de gordura animal. O negro não pode conter leite e, de acordo com as directivas comunitárias, terá de ter pelo menos 35% de sólidos de cacau; o remanescente costuma ser manteiga de cacau e açúcar.
Os autores do recente estudo deram 40 gramas diários de chocolate negro com 74% de sólidos de cacau durante 14 dias a um grupo de 30 pessoas. As pessoas, de idades entre os 18 e os 34 anos, tinham antes sido sujeitas a um questionário feito por psicólogos e revelavam traços de ansiedade, de moderada a elevada. A sua escolha foi feita de forma aleatória, de entre um grupo numeroso de pessoas saudáveis na mesma faixa etária. O que se analisou foram fluidos biológicos dos sujeitos (urina e plasma sanguíneo) em três ocasiões: antes do início do teste, passada uma semana e no fim das duas semanas. Na semana antes do teste, os voluntários abstiveram-se de ingerir chocolate.
Os fluidos biológicos dos sujeitos do estudo foram analisados com técnicas de Ressonância Magnética Nuclear (NMR) e de Espectroscopia de Massa (MS), que permitiram detectar modificações significativas nas componentes dos fluidos. Os investigadores concluíram que o chocolate tem alguma influência positiva no metabolismo humano, actuando por via da actividade da flora bacteriana intestinal e reduzindo as ditas hormonas de stress e outros elementos associados à ansiedade.
A análise estatística dos resultados é igualmente sofisticada e completa. Além de técnicas de análise estatística multivariada, foram feitos vários testes de significância que concluem pela existência de modificações no metabolismo dos sujeitos de estudo.
Depois de tudo isto, os investigadores escrevem as suas conclusões introduzindo muitas reticências. Dizem que o estudo “apoia a ideia de…” e falam de “efeito potencial”. Ficámos a saber um pouco mais sobre algumas consequências positivas do consumo de certo tipo de chocolate para o metabolismo das pessoas ansiosas, mas nada mais do que isso. É pouco, mas é o resultado de muito trabalho, com métodos muito rigorosos. Lendo estes estudos fica-se ainda mais céptico sobre as conclusões precipitadas que por vezes se tiram sobre fenómenos ainda mais complexos, tais como os métodos de ensino ditos revolucionários ou a influência da tecnologia na vida das sociedades. A verdadeira ciência é sempre uma lição de modéstia.
Nuno Crato
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