Antes de abordar em detalhe os principais problemas que afectam neste momento o ensino superior, devo referir que não só este funciona muito melhor do que o ensino pré-universitário, como para além disso alguns dos seus problemas mais graves são consequência directa do que se passa no ensino básico e secundário.
Posto isto, creio que os problemas do ensino superior são, essencialmente, dois, que aliás se encontram intimamente ligados: a falta de preparação de muitos alunos que lá chegam e, consequentemente, a descida de exigência que algumas faculdades têm vindo a fazer, de forma a que se mantenham níveis aceitáveis de reprovações.
O facto dos cursos técnicos estarem completamente descredibilizados em Portugal, e de qualquer coisa ser considerado uma licenciatura de ensino superior, faz com que cada vez mais alunos, e com cada vez menos preparação, entrem no ensino superior. Algumas faculdades não resistem e pressionam os professores para moderar a exigência ano após ano. Caso contrário, perderão alunos e financiamentos.
Isto levanta duas questões. Uma delas foi recentemente colocada por um membro da Sociedade Francesa de Matemática, quando, na última época de exames nacionais, o Expresso o questionou sobre se a Sociedade Portuguesa de Matemática tinha razões para estar preocupada com o nível de dificuldade (ou de facilidade) dos nossos exames. A resposta foi afirmativa, e depois deixou a questão: será que este novo nível de exigência é suficiente para formar cientistas, engenheiros e técnicos de qualidade? E respondeu: é provável que não.
A outra questão, que está bastante relacionada, tem que ver com as diferentes reacções das várias universidades a esta baixa de exigência. Há faculdades que resistem, procurando a diferenciação através de um ensino que se mantém exigente e afincadamente teórico, há outras que não. Há poucos anos, o ministro Mariano Gago tomou uma medida importante para garantir uma certa uniformização entre os alunos que concorrem para ciências e engenharias: todos estes cursos devem ter o exame de matemática como prova obrigatória de entrada. Contudo, isto exclui as universidades privadas. Na Lusófona, por exemplo, é possível entrar em alguns cursos de engenharia só com o exame de português. Que tipo de matemática se poderá exigir a alguns dos alunos que entram na universidade nestas condições?
É preciso ter em atenção, no entanto, que o exemplo de uma universidade privada no anterior parágrafo não significa, de todo, que o ensino superior público seja obrigatoriamente mais exigente e credível que o ensino privado. A Universidade Católica Portuguesa, que se tem diferenciado através de um ensino sério, e cuja projecção internacional tem vindo a aumentar cada vez mais, mostra que o ensino superior privado de qualidade pode crescer e competir com o público. O que se verifica é que tudo depende de faculdade para faculdade.
De facto, essa é uma reflexão que é necessário fazer: na entrada para o mercado de trabalho, como vai pesar o facto da exigência ser tão variável entre faculdades? Mais tarde ou mais cedo, as entidades empregadoras vão perceber que há médias de curso de 10 que valem mais que outras de 15, e vão querer saber, nesta completa inversão de valores, como distinguem os profissionais sérios e capazes, dos que não tiveram um ensino que lhes permita vencer os desafios da actualidade. Visto que a média de curso começa a deixar de reflectir esse dado importante, este valor poderá começar a não ser mais do que um pequeno pormenor do currículo. O que as entidades empregadoras quererão saber, acima de tudo, é em que instituto superior foi a pessoa em questão formada.
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