Entre Novembro de 2006 e Fevereiro de 2007, o falecido João Bénard da Costa organizou um ciclo de cinema na Gulbenkian com o título Como o Cinema era Belo. Esse ciclo fechou com chave de ouro, com o fabuloso The New World, de Terrence Malick (só Malick e mais dois realizadores tiveram dois filmes exibidos no ciclo; o outro de Malick foi The Thin Red Line, certamente um dos mais belos filmes de todos os tempos).
Em simultâneo com o ciclo, Bénard da Costa publicou um livro - com o mesmo título - onde escreveu sobre os filmes que escolheu para exibir na Gulbenkian, justificando as suas escolhas. Contudo, sobre The New World limitou-se a transcrever um artigo que Frédéric Saboreaud escreveu para a revista Trafic, onde a certa altura o francês levanta uma questão absolutamente fundamental: "Que diferença existe entre o lirismo e a arte chamada pompier? Entre o cinema e a publicidade?"
Numa altura em que Avatar estreia por todo o mundo e faz um sucesso tremendo junto do público e da crítica (a crítica portuguesa por acaso foi excepção a este entusiasmo generalizado), é importante reflectir sobre esta questão. Quando vemos animaizinhos de todas as cores e feitios, sem qualquer função dramática, a passearem pelo ecrã a 3 dimensões (que já nem símbolos se podem chamar, quanto mais personagens) parece que essa diferença entre beleza cinematográfica e beleza puramente estética começa a desaparecer, numa total confusão de ideias sobre o que é o verdadeiro lirismo cinematográfico. Mas, no referido artigo, Saboreaud faz questão de explicitar que essa diferença
reside na qualidade da montagem, na recusa de agarrar uma forma pela forma, de fazer dela um clip. Malick é o anti Wong-kar-wai. Tudo vacila pelo que antecede e sucede aos planos. Mozart não é amor entre dois seres. É o que o amor irradia antes que se saiba que amamos ou depois de fazermos amor. O amor que irradia sobre o conjunto do mundo e não apenas sobre os dois seres que se amam. Para exprimir esta visão mística, a música nunca sublinha estritamente os planos de par de John Smith (Colin Farrell) e Pochaontas (Q'orianka Kilcher). Pelo contrário, contamina como irradiação os planos que antecedem e os planos que se seguem. Nunca o acento lírico está lá para fazer bonito, para criar uma pausa. Evanesce como acontece e o tempo continua para melhor significar que o amor precede e ultrapassa o humano para se dissolver na realidade.
É por isso que volto a afirmar que The New World é o exemplo máximo do que é um anti-Avatar: na forma como filma a relação do Homem com a Natureza; como aborda o contacto entre culturas distantes; como constrói personagens e as relaciona com o espaço envolvente; como diferencia beleza cinematográfica de beleza estética; e, no limite, como distancia o Cinema do mero clip publicitário.
Nota: sublinhados meus.
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