Tuesday, February 23, 2010

"Sair do Pântano"

Recomendo a leitura deste texto de José Pedro Lopes Nunes sobre os exames nacionais do ensino secundário. Destaco a seguinte passagem:

Defendo que os exames nacionais no ensino secundário deixem de ser realizados apenas num número muito limitado de vezes, e passem a ser realizados todos os anos, para todos os alunos. Na verdade, será de ponderar realizar exames nacionais não uma, mas duas vezes por ano (em Novembro e em Junho).

Fazer depender todo o resultado dos estudos correspondentes a um prolongado período de ensino de uma única avaliação pode ser causa de injustiças. De igual forma, terá que se aceitar que é muito pesada a carga psicológica imposta a uma avaliação desse tipo que tem lugar com intervalos de anos.

A solução não é impor o facilitismo, nem permitir a cada escola que favoreça os alunos aí inscritos através de exames “simpáticos” – exames que tenham alegadamente em conta o ambiente sócio-económico, as dificuldades específicas, e mais mil e uma desculpas. Pelo contrário, é necessário tirar peso psicológico aos exames nacionais, transformando-os numa mera rotina.
De facto, muitas vezes os alunos que são contra os exames nacionais utilizam como argumento o facto de não ser aceitável que grande parte da nota de final do secundário (e também de candidatura à Universidade) esteja dependente de umas poucas horas em que se realizam os exames. Concordo em absoluto, e por isso mesmo é que defendo mais exames nacionais. Desta forma, grande parte da nota não será decidida ali numas horas no final do secundário, mas estará repartida pelos 3 anos de ensino, sendo decidida através de exames justos que colocam todos os alunos em pé de igualdade.

Para além disso, a existência mais regular de exames teria também outra vantagem: a preparação dos alunos para a Universidade. Não me parece haver dúvidas de que a razão pela qual muitos estudantes se espalham quando chegam à Universidade tem que ver com a falta de ritmo e de organização que não lhes é incutida no ensino secundário. Na verdade, mais exigência e mais exames no secundário poderão conduzir, consequentemente, a melhores performances dos alunos no ensino superior.

Saturday, February 20, 2010

"iPad, iPod, iPud", por Nuno Crato

Artigo de Nuno Crato no blogue do Expresso Passeio Aleatório, também publicado na edição de imprensa de 30 de Janeiro, a propósito das novas tecnologias e da sua aplicação no ensino.

Sou um 'teckie' - um apaixonado pela tecnologia. Sempre fui. Aderi ao correio electrónico em 1988 e fiz a minha primeira página Web em 1992. Tenho um iPhone. E só não sei se vou comprar um iPad porque tenho já um Kindle. Fico contente sempre que a tecnologia me facilita a vida e tento que as minhas aulas lucrem com a introdução de novas técnicas.

Não sou o único, claro. O meu colega Harm-Jan Steenhuis, um holandês que agora lecciona numa universidade do estado de Washington, é um dos muitos que gostam também de experimentar as novas tecnologias. Na passada semana, ele alcançou uma súbita e inesperada notoriedade. As suas experiências educativas apareceram difundidas por várias agências de noticiário científico e académico. A imprensa especializada reproduziu-as e Harm-Jan começou a receber telefonemas de jornalistas. Tudo isso porque escreveu sobre as suas iniciativas recentes de introdução da tecnologia no ensino.

O artigo que publicou relata uma experiência de introdução de testes electrónicos e apareceu no "International Journal of Operations Management Education" (3-2, pp. 119-148). Harm-Jan e os seus colegas resolveram fazer semanalmente online curtos testes (quizzes), para revisão frequente da matéria e avaliação dos alunos. Fazer testes curtos e frequentes é uma técnica antiga - pretende-se que os estudantes vão acompanhando a matéria e percebam onde estão a falhar. A inovação consiste em automatizar esses testes, de forma a que os alunos possam obter imediatamente a correcção das respostas e a sua classificação.

Pouco tempo antes, Harm-Jan tinha experimentado outra técnica, a dos clickers, que são pequenos aparelhos individuais onde cada aluno aperta um botão para responder a uma pergunta. São usados em alguns grandes anfiteatros de universidades dos Estados Unidos. A meio da aula, o professor faz uma pergunta. Cada aluno aperta um botão do seu aparelho individual para responder. As respostas são transmitidas electricamente ou por via rádio a um computador que as interpreta. Instantaneamente, o professor fica a saber quais os alunos que responderam correctamente à pergunta e os que se enganaram. Pode usar os resultados para os classificar ou para perceber se está a ser seguido e onde estão as dificuldades dos alunos.

Harm-Jan Steenhuis e os seus colegas tiveram um grande sucesso com estas técnicas. Os estudantes aderiram, e parece que estavam mais activos nas aulas. No entanto, quando resolveram avaliar os resultados no que realmente interessa, que é a aprendizagem, verificaram que os alunos não tinham aprendido mais. Ficaram surpresos, pois conheciam muitos artigos publicados em revistas de educação que apregoavam bons resultados com as novas tecnologias - falavam da promoção de uma "aprendizagem activa", de um "maior envolvimento dos estudantes no processo de aprendizagem". Foram ver esses artigos e ficaram mais surpreendidos ainda. Os tais "bons resultados" referiam-se apenas ao entusiasmo dos alunos. Não a uma melhoria da sua aprendizagem.

Harm-Jan disse-me, cauteloso: "Nem me passa pela cabeça criticar as novas tecnologias". Respondi-lhe que não precisava de mo dizer. Sou bem capaz de ir comprar um iPad, um iPude e instrumentos de todas as letras do alfabeto, mas não vou pretender que os meus alunos vão aprender mais só por causa disso.

Nuno Crato

Tuesday, February 16, 2010

Plano Inclinado

Plano Inclinado do passado Sábado, com Henrique Medina Carreira, Nuno Crato e João Salgueiro, sobre Economia e Finanças Nacionais e Internacionais.


Monday, February 15, 2010

O Futuro Inventa-se

António Câmara completou a sua licenciatura em Engenharia Civil no Instituto Superior Técnico, continuando estudos nos Estados Unidos, primeiro em Virginia e depois no MIT. Actualmente, é professor na Universidade Nova de Lisboa, e propõe, no seu livro O Futuro Inventa-se, uma nova universidade.

Para o autor, a Universidade deve repensar o seu papel, tornando a sua relação com a sociedade muito mais activa. Deve dedicar-se a formar jovens inovadores e não apenas a ensiná-los como passar nos exames, deve incentivar mais a investigação científica, deve promover as actividades extra-curriculares junto dos alunos através de projectos entusiasmantes, deve ser um espaço agradável que procure atrair visitantes, entre outras funções que permitiriam melhorar a educação e a investigação e, a mais longo prazo, a economia e a sociedade.

Saturday, February 13, 2010

A liberdade está em causa?

Depois do recente caso com Mário Crespo e da divulgação das escutas do caso Face Oculta por parte do Sol, é legítimo perguntarmo-nos se a liberdade de expressão e de imprensa está em causa. As respostas a esta questão têm inundado a blogosfera e os jornais, oscilando entre dois extremos radicais: por um lado, há quem continue a defender Sócrates para lá do que é sério fazer-se; por outro, também existem os que já anunciaram a morte da liberdade de expressão em Portugal.

Neste contexto, penso que são sensatas as seguintes palavras:

O Governo costuma dizer que nós somos um país onde há grande liberdade. É verdade: há uma grande liberdade de expressão. É por isso que este acto não devia ter acontecido. Este acto veio manchar o nosso regime democrático. Este episódio é muito negativo e lamento que o senhor primeiro-ministro se escude permanentemente no silêncio e na ausência de resposta, porque o silêncio não ajuda o primeiro-ministro a limpar uma nódoa que ficará e que o perseguirá durante muito tempo. É que, afinal de contas, o Governo actuou com o objectivo de eliminar uma voz incómoda.
Estas palavras são de José Sócrates em 2004, quando o Governo de Santana Lopes fez pressão para a saída de Marcelo Rebelo de Sousa da TVI. E este antigo Sócrates, inocente e bonzinho, tem razão. A liberdade de expressão não está neste momento em causa, e expressões como "atentado contra o estado de direito", como Paulo Rangel utilizou no Parlamento Europeu, são exageradas. Contudo, isto não significa que se deve atenuar a gravidade da situação. Afinal, Sócrates e o seu Governo já fizeram muito pior que Santana Lopes, com os escândalos que envolvem o primeiro-ministro a sucederem-se uns aos outros. Sócrates é, neste momento, um líder fragilizado e sem credibilidade. Com ou sem PS no Governo, não creio que a sua liderança se prolongue por muito mais tempo.

Friday, February 12, 2010

"Exploradores", por Miguel Monjardino

Artigo de Miguel Monjardino, publicado na edição do Expresso de 6 de Fevereiro, extraordinariamente pertinente no que diz respeito ao nosso presente e futuro.

A inovação tecnológica e o empreendedorismo sempre foram coisas importantes. Mas agora que estamos claramente a entrar numa época em que o conhecimento é cada vez mais relevante, a inovação tecnológica e o empreendedorismo serão cruciais em termos económicos e políticos. Os países que nas próximas décadas conseguirem atrair e manter as empresas privadas mais capazes de inovar, desenvolver e vender produtos nos mercados mundiais serão mais ricos e influentes em termos internacionais.

A Apple, liderada por Steve Jobs, é hoje considerada uma das empresas mais inovadoras no mundo. O "The Economist" da semana passada chamava a atenção para o facto de a empresa ter conseguido transformar nas últimas décadas as indústrias dos computadores, da música e das telecomunicações. O novo iPad promete continuar a transformar os computadores e as telecomunicações e a reinventar a imprensa.

Um olhar para as empresas mais inovadoras do ponto de vista tecnológico e para a geografia do empreendedorismo mostra que os EUA continuam a ser uma espécie de país-farol nestas duas áreas. Quem é que vem a seguir? No meio de alguns candidatos, vale a pena olhar para Israel.

À primeira vista, a sugestão pode parecer absurda. Afinal de contas, o Médio Oriente não é uma região estável do ponto de vista geopolítico nem integrada economicamente, a lista de candidatos interessados em destruir Israel é longa e o país só tem sete milhões de pessoas. Mas como Dan Senor e Saul Sanger mostram em "Start-Up Nation. The Story of Israel's Economic Miracle" (Nova Iorque: Twelve, 2009), as aparências enganam.

Sessenta e três empresas israelitas estão cotadas no Nasdaq em Nova Iorque. Se juntarmos todas as empresas europeias cotadas na mesma bolsa, ficamos muito longe deste número. Israel atrai tanto capital de risco para investimento em empresas tecnológicas como a França e a Alemanha juntas. Nenhum país do mundo dedica uma percentagem tão elevada do seu produto nacional bruto à investigação e desenvolvimento civil como Israel.

De onde é que vem toda esta inovação e capacidade israelita para criar e vender produtos nos mercados internacionais? Senor e Sanger sugerem três respostas. A primeira é a existência de excelentes universidades, fundos de capital de risco e um elevado número de engenheiros no país. A segunda, é um ambiente social que privilegia uma cultura igualitária, estimulante, individualista e tolerante em relação ao falhanço. A terceira, é a importância de um longo serviço militar obrigatório numas forças armadas extremamente competitivas que fazem um uso intensivo da inovação tecnológica e da liderança.

E nós, por cá, como é que estamos? "O Futuro Inventa-se" (Objectiva: 2009), de António Câmara, professor na Faculdade de Ciências e Tecnologia na Universidade Nova e presidente da YDreams, é o melhor ponto de partida para esta importante discussão sobre a nossa capacidade para usar o conhecimento na criação de novas empresas e produtos.

António Câmara argumenta que um dos nossos grandes problemas nestas duas áreas é que "a universidade portuguesa forma estudantes para serem empregados e não 'exploradores': líderes políticos, artistas, cientistas e empreendedores". A título de comparação, veja-se, por exemplo, o caso da Universidade do Michigan (EUA), onde 10% dos caloiros - seiscentos alunos - criaram um negócio no ensino secundário.

A aversão ao risco e ao falhanço da nossa sociedade, a falta de fundos de capital nas universidades e de incentivos académicos para o empreendedorismo dos professores são outros pontos analisados por António Câmara.

"O Futuro Inventa-se" é um livro indispensável. Não precisamos de fazer melhor. Precisamos de fazer muito melhor. Para isso é necessário uma nova geração de exploradores. Só assim teremos um futuro melhor.


Empreendedorismo
35 anos depois da sua fundação, a Apple é um exemplo da inovação tecnológica e do empreendedorismo. Israel é um país extremamente interessante nestas duas áreas. Portugal precisa de uma nova geração de exploradores.

Barómetro
+ O Iraque chegou a acordo com a Exxon e a Shell sobre o desenvolvimento de um importante campo petrolífero no sul do país
- O impacto dos défices orçamentais na credibilidade e no preço das dívidas públicas da Grécia, Portugal e Espanha

Miguel Monjardino

Wednesday, February 10, 2010

Simplicidade

Numa altura em que os anúncios são, de uma forma geral, cada vez mais estupidamente rebuscados, é agradável de vez em quando ver algo assim, com tão bom gosto, tão simples e eficaz.


Monday, February 8, 2010

Plano Inclinado

Plano Inclinado do passado sábado, com Nuno Crato, João Duque e João Queiró, sobre o orçamento para o ensino superior.


Friday, February 5, 2010

Manifestação Estudantil


Ontem, estudantes de todo o país (centenas? milhares? as notícias diferem...) saíram às ruas para se manifestarem, pedindo "um novo estatuto", "educação sexual", "o fim dos exames nacionais, das aulas de substituição e das provas de recuperação". Os estudantes portugueses do ensino básico e secundário têm muitas razões para protestar, mas, na sua generalidade, essas razões não são certamente as que reivindicam. Compreendo que o actual estatuto do aluno tenha algumas medidas injustas que mereçam ser alteradas, mas o mesmo não se passa com o essencial as restantes reivindicações.

Por exemplo, o objectivo da reivindicação da educação sexual é cada vez mais claro: acrescentar mais uma disciplina ao curriculum, entre tantas que os alunos hoje já têm, que não esteja lá para transmitir e avaliar os conhecimentos essenciais que devem ser atribuídos à escola, mas sim para entreter os alunos durante mais umas horas ao longo do ano, sob a máscara de que se está a promover as competências para uma boa cidadania, etc., etc. Para além disso, o fim dos exames nacionais - um dos pilares fundamentais de uma educação justa - descredibiliza totalmente protestos como este.

Contudo, há dados mais preocupantes do que simplesmente as bandeiras que são defendidas. Uma aluna de 15 anos que estava na manifestação foi entrevistada pelo Público, dizendo que foi lá "para reivindicar os meus direitos”. No entanto, quando o entrevistador perguntou que direitos são esses, a aluna deu a seguinte resposta: “Isso já é mais difícil de explicar. Só sei que o Governo está a fazer tudo mal”. Esta atitude bem portuguesa, de reivindicar só por ser um direito, perdendo a noção do que é mais justo e correcto, toma proporções particularmente assustadoras no meio estudantil.

Acertadamente, a Plataforma Nacional de Associações de Estudantes do Ensino Básico e Secundário não apoiou iniciativa. Segundo o Público, o porta-voz da plataforma disse o seguinte, que de uma forma geral me parece acertado:

"Há democracia nas escolas. Há é pessoas que não a sabem praticar e que usam temas de bandeira fáceis e que não levam a lado nenhum." Ainda assim, o estudante de 19 anos assume que tem pontos de vista em comum, como o Estatuto do Aluno: "Não faz sentido que seja igual um estudante dar uma falta justificada ou injustificada. Não pode ser igual estar doente ou estar no café."

Wednesday, February 3, 2010

A Democracia está doente

“A liberdade é a coexistência de modelos e não a imposição de um em concreto”. Esta frase, que o jornalista Henrique Monteiro escreveu num artigo publicado na edição online do Expresso, resume em traços gerais aquilo que deveria ser a base do pensamento de um verdadeiro democrata quando confrontado com uma maneira diferente de pensar. Infelizmente, esta frase não poderia ser dita pelo nosso primeiro-ministro, que lida muito mal com a crítica e com opiniões contrárias à sua actuação como governante. São mais do que conhecidos os habituais telefonemas de José Sócrates (ou elementos que lhe são próximos politicamente) para redacções de jornais e televisões como forma de pressionar jornalistas “incómodos”, tentando condicionar um trabalho que se pretende sério e independente. Mas ainda mais grave do que telefonemas são os seus efeitos práticos. Manuela Moura Guedes, José Eduardo Moniz, José Manuel Fernandes e muito recentemente Mário Crespo foram afastados de cargos que desempenhavam no exercício das suas funções, precisamente por serem “incómodos” para o regime e para muitos lambe - botas que dele dependem.

Não basta a um primeiro-ministro citar grandes vultos da literatura humanista ou personalidades que se destacaram na defesa da liberdade. É preciso ser um exemplo na sua defesa, o que inclui o respeito por quem pensa de maneira diferente da nossa. Estamos longe de viver numa claustrofobia democrática, mas a liberdade já “respirou” muito melhor do que actualmente.

Este artigo foi publicado na edição de Fevereiro do jornal amador "Ecos".

Tuesday, February 2, 2010

Orçamento de Estado e Segurança Social

Plano Inclinado do passado sábado, sobre o Orçamento de Estado e a Segurança Social, com Medina Carreira, João Duque e Miguel Gouveia.

Dúvidas?

"Better to remain silent and be thought a fool than to speak out and remove all doubt." - Abraham Lincoln

O melhor que o Governo teria a fazer sobre o caso Mário Crespo seria ou o silêncio ou algum comentário tão curto que não enterrasse ainda mais José Sócrates, depois de todos os inconclusivos escândalos anteriores. Jorge Lacão soube perceber isso muito bem, e por isso limitou-se a afirmar que não comenta casos com base em "calhandrices". Infelizmente para si próprio e para o primeiro-ministro, Augusto Santos Silva não teve a mesma perspicácia, e acabou por falar demais.

Segundo o Público, Santos Silva acha "absolutamente inacreditável" que se queira "fazer um texto com base no que supõe serem informações que lhe tenham sido transmitidas acerca de conversas privadas, tidas em restaurantes". Curiosamente, o ministro da defesa não acha "absolutamente inacreditável" que o primeiro-ministro, acompanhado por dois ministros, se dirija num restaurante à mesa onde está o director de programas da SIC e lhe diga que Mário Crespo é um problema que tem que ser solucionado.

Para além disso, também é estranho que não ache "absolutamente inacreditável" que ele próprio classifique como privadas conversas que são ouvidas noutras mesas do restaurante. Eu, pelo menos, quando quero garantir privacidade, procuro falar de forma a que os outros não ouçam. O que é "absolutamente inacreditável" aqui é que venha agora Santos Silva dar lições de moral sobre privacidade, dizendo que “todos temos direito à privacidade das nossas comunicações”, procurando defender o primeiro-ministro (a meu ver, Santos Silva já está a alargar demasiado o conceito de ministro da defesa) de forma a torná-lo a vítima destes acontecimentos preocupantes, que nem tem direito a ter conversas em privado sobre os jornalistas cuja situação quer ver solucionada.

Como se não bastasse, Santos Silva conseguiu dizer ainda que a situação "não merece nenhum crédito", já que "as fontes não são conhecidas". Claro que, sendo agora algumas fontes já conhecidas, provavelmente é altura de voltar a entrevistar o ministro, que certamente já lhes dará crédito. No meio de tanta lábia, Santos Silva só não conseguiu fazer uma coisa: desmentir o sucedido. Se tivesse ficado calado, algumas dúvidas teriam permanecido. Assim, acabou de dissipá-las...

Monday, February 1, 2010

Parece que, afinal, o problema já foi resolvido...

O Primeiro-ministro José Sócrates, o Ministro de Estado Pedro Silva Pereira, o Ministro de Assuntos Parlamentares, Jorge Lacão e um executivo de televisão encontraram-se à hora do almoço no restaurante de um hotel em Lisboa. Fui o epicentro da parte mais colérica de uma conversa claramente ouvida nas mesas em redor. Sem fazerem recato, fui publicamente referenciado como sendo mentalmente débil (“um louco”) a necessitar de (“ir para o manicómio”). Fui descrito como “um profissional impreparado”.

Definiram-me como “um problema” que teria que ter “solução”. Houve, no restaurante, quem ficasse incomodado com a conversa e me tivesse feito chegar um registo. É fidedigno. Confirmei-o.


Estes são excertos de um artigo de Mário Crespo publicado hoje pelo Instituto Francisco Sá Carneiro. O artigo foi originalmente escrito para ser publicado no Jornal de Notícias, mas, por alguma razão, não o foi...

Saber e Saber Ensinar

Muitas vezes se diz que há professores que, embora saibam muito, não sabem ensinar. Estranhamente, raramente se fala daqueles que, embora saibam muita pedagogia sobre como ensinar, não sabem o suficiente sobre as matérias para as poderem ensinar de forma a transmitir os conhecimentos necessários aos seus alunos. E digo que é estranho porque, infelizmente, este segundo tipo é muito mais comum e preocupante.

Quando se reflecte sobre esta questão é necessário perceber que saber e saber ensinar, embora sejam duas coisas distintas, estão intimamente ligadas. Existem, de facto, pessoas com um elevado conhecimento sobre determinadas matérias que têm dificuldades em explicá-las, mas isso não invalida que, de uma forma geral, um conhecimento mais aprofundado seja determinante para uma maior facilidade na explicação dos conceitos.

Esta estreita relação entre saber e saber ensinar foi uma das conclusões a que chegou Liping Ma no seu livro, recentemente editado em Portugal, Saber e Ensinar Matemática Elementar. Entrevistando professores americanos e chineses de escolas do ensino básico de vários níveis de qualidade, Liping Ma colocou-lhes questões directamente relacionadas com a matemática que é dada no ensino básico. Reparou que aqueles que tinham uma profunda compreensão do conceito e do algoritmo relacionado com cada um dos problemas, eram também, naturalmente, os que mais facilidade tinham em explicá-lo e transmiti-lo. Infelizmente, ocorreu muitas vezes, sobretudo nos professores americanos, que embora se conhecesse o procedimento do algoritmo, não se sabia fundamentá-lo (por exemplo, o algoritmo da multiplicação com mais de um dígito), e isso impossibilitava a capacidade do professor para corrigir os erros dos seus alunos de forma a que eles entendessem o porquê de estarem a cometer determinado erro.

Várias personalidades ligadas à educação têm-nos alertado para o facto de se dar demasiada importância ao ensino de pedagogias da educação a futuros professores, e muito pouca aos próprios conceitos que vão ensinar. O livro de Liping Ma confirma os perigos desta abordagem na formação de professores. É por isso que, quando nos perguntamos se é mais importante saber ou saber ensinar, é necessário que nos recordemos que o segundo não pode existir sem o primeiro. Saber é a pedagogia mais importante que se pode fornecer a alguém que quer saber ensinar.