Monday, November 30, 2009

Plano Inclinado - Ensino Básico e Secundário

"O que se passa no ensino é o exemplo do absurdo e do mundo às avessas." - Maria do Carmo Vieira

No Plano Inclinado desta semana, Nuno Crato, Henrique Medina Carreira e Maria do Carmo Vieira debateram o estado da educação no ensino básico e secundário.


Saturday, November 28, 2009

Planeando o Futuro

Como enfrentar os desafios que o futuro próximo nos vai colocar à frente? Como estar preparado quando o momento chegar? Dois artigos da Scientific American deste mês de Novembro procuram dar resposta para dois importantes problemas que estamos prestes enfrentar.

Um desses problemas é a energia, visto que num futuro próximo o papel dos combustiveis fósseis irá desaparecer. Por duas razões: primeiro, porque a produção de energia por este método causa problemas graves de efeito de estufa que temos de controlar; segundo, porque o petróleo vai-se esgotar algures durante o presente século. Os cientistas Mark Z. Jacobson e Mark A. Delucchi propõem, então, um caminho para uma energia sustentável em 2030, utilizando apenas energias limpas e renováveis que não necessitam de tecnologia mais avançada do que aquela que temos hoje. O artigo pode ser lido aqui, ou visto numa versão interactiva.

Outro dos problemas tem que ver com a agricultura necessária para satisfazer as nossas necessidades alimentares, tendo em conta o crescimento de população que se verifica actualmente e se vai continuar a verificar durante as próximas décadas. Dado que não existe terra suficiente para satisfazer essas necessidades, e que, para além disso, a agricultura tradicional também contribui, devido a vários factores, para destruição do ambiente, o cientista Dickson Despommier considera que é necessário repensar o nosso sistema agrícola. Propõe então que a agricultura seja desenvolvida naquilo a que chama vertical farms, isto é, os produtos agrícolas cresceriam em prédios nas cidades e arredores, em vez de no campo. Despommier considera que este sistema tem várias vantagens face à agricultura tradicional, entre elas: redução das emissões de combustiveis fósseis; utilização de menos água; e o maior espaço que pode ser obtido através deste método, que poderá então corresponder às necessidades populacionais do futuro. É possível ler mais no site de Dickson Despommier.

Estas são propostas radicais, que à primeira vista parecem impossíveis de concretizar. Contudo, os autores discordam, considerando-as não só possíveis, mas também indispensáveis. No entanto, não é por as considerar mais ou menos realistas que as destaco, mas por exigerem que repensemos a forma como construimos o nosso futuro; chamando a atenção para o facto de esse futuro ter que ser um futuro sustentável, que possa ir ao encontro das necessidades das gerações seguintes.

Friday, November 27, 2009

Gripe A e Vacinação

De uma forma geral, as notícias da gripe A têm despertado dois tipos de reacções nas pessoas, sendo que ambos enveredam por caminhos de pensamento muito duvidosos. Uma das reacções é de pânico, tratando-se do grupo de pessoas que quase vê na gripe A o fim do mundo, e que estão particularmente preocupadas em obedecer a todas as medidas de segurança de que se lembrem, como por exemplo cronometrarem-se a lavar as mãos (não vão levar 40 segundos em vez de 45...). Depois, como uma espécie de 3ª Lei de Newton para estes fenómenos, há a reacção oposta: tudo não passa de uma conspiração das empresas farmacêuticas para fazer mais algum dinheirinho, pois esta gripe A não passa de uma gripezinha normal mas menos comum. Perante estes extremismos, espero que a posição dominante continue a ser a da moderação. Afinal, a gripe A não é o fim do mundo, mas mata mais que uma gripe normal.

Um pouco espalhados por estes dois grupos (como se sabe, os extremos costumam ter coisas em comum), encontram-se as pessoas que decidiram começar a batalhar contra a vacina da gripe A, dizendo que não é segura, que foi produzida apenas em 6 meses (como qualquer vacina para a gripe sazonal...), que não foi testada, que é mais um truque para as farmacêuticas ganharem dinheiro. A comunicação social, em vez de tentar divulgar às pessoas as razões científicas que comprovam a segurança da vacina, prefere ir ajudando à festa: de vez em quando lá aparece mais um título sobre alguém que morreu dias depois de ter tomado a vacina. Claro que, quando se lê a notícia até ao fim, por acaso a pessoa até sofria de obesidade mórbida ou de alguma outra doença grave. Como li algures pela blogosfera, deve faltar pouco até ser noticiado que um homem morreu atropelado horas depois de ser vacinado. Enfim, no meio desta confusão de ideias a malta lá se vai divertindo a diabolizar as indústrias farmacêuticas e a especular sobre os males que fazem ao mundo.

Ontem fui vacinado contra a gripe A. Não que exista um risco grande de morrer da doença, mas como dispenso perfeitamente passar horas em hospitais e uma semana em casa, e já que pertenço a um dos grupos de risco, decidi reduzir as probabilidades de a contrair. No entanto, há quem se recuse a tomá-la, mas talvez não partilhem da minha falta de apreciação por hospitais e por doenças. No fundo, se calhar até é uma questão de gostos...

Claro que, independente dos gostos, é a verdade científica, e essa pode ser encontrada em vários artigos bem fundamentados sobre o assunto. Mas, como avisou o professor Carlos Fiolhais no De Rerum Natura há umas semanas, "num mundo onde reina a superstição e o mito, é ainda mais fácil encontrar artigos sobre o mesmo assunto sem qualquer fundamento científico ou com fundamento científico muito ténue". Depois, destacou este artigo sobre a segurança da vacina.

Thursday, November 26, 2009

A queda do muro

Texto que escrevi para o jornal amador setubalense Ecos:

No dia 9 de Novembro de 1989, com a queda do muro, deu-se o fim da divisão da cidade de Berlim em duas partes: uma livre e democrática sob o domínio da RFA e outra pertencente ao território de um país ditatorial, a RDA. Nesse dia abriu-se uma janela de esperança para os povos da União Soviética, uma vez que o fim da opressão e da tirania comunista estava para breve. Após este acontecimento (o mais importante desde o fim da II Guerra Mundial) todo o regime caiu como um castelo de cartas, libertando a Europa de uma ditadura que oprimiu e dizimou milhões de seres humanos ao longo de décadas.

Uma vez que por trás de grandes feitos estão sempre grandes heróis nunca é demais salientar a importância que Mikhail Gorbatchov, Lech Walesa, Ronald Reagen, e George H. Bush tiveram em todo o processo da queda do Muro de Berlim e consequentemente da União Soviética. Sem os esforços diplomáticos conjuntos e uma grande vontade de homens como estes, a queda do muro de Berlim não teria passado de uma miragem. No entanto, e vinte anos depois, ainda existem alguns saudosistas do passado que além dos muros que têm no pensamento, gostariam que aquele que caiu fisicamente ainda estivesse de pé. O tempo passa, a história muda, mas muita cegueira mantém-se incurável.

Soarismo tardio

Destaque para a crónica de Henrique Raposo desta semana, publicada na edição de imprensa do Expresso de dia 21 de Novembro de 2009.

Os mais velhos dizem-me que Mário Soares é o pai da democracia, e que eu devo muito ao nosso redondinho founding father. Muito bem. Leio uns livros e percebo que Soares travou a ditadura comunista em 1975. Não há dúvida de que o dr. Soares foi fundamental na formação da democracia. Mas um passado glorioso não iliba um presente medíocre. E, lamento informar, os últimos anos do dr. Soares têm sido confrangedores. Basta puxar pela memória. Durante a campanha presidencial de 2006, Soares fez um lendário show de snobismo social contra Cavaco; em 2005, Soares violou a lei eleitoral ao apelar a uma maioria absoluta no próprio dia das eleições. Este não é um registo que dignifique um pai-fundador.

A pior fase deste soarismo crepuscular apareceu nas últimas semanas. Perante a gravidade do 'Face Oculta', Soares tem protegido Sócrates, não percebendo que, com isso, fragiliza ainda mais o regime. Ou seja, Soares não tem mostrado a dignidade imperial que se exige a um pai-fundador. Isso ficou evidente no seu último artigo do "Diário de Notícias". Nessa prosa belicista, Soares atacou a justiça, e deu caução aos termos taberneiros de Vieira da Silva. É muito triste ver o nosso founding father nestes preparos. E não me venham com a história de que eu devo respeito ao dr. Soares, e que, por isso, não o posso criticar. Poupem-me a esse chauvinismo socialista. Soares não está acima da crítica. Ele, mais do que ninguém, deveria saber isso. Em democracia, nem o pai escapa à crítica.

Perante o actual cenário, Soares - como salientou Medeiros Ferreira - só tinha duas opções: ou estava calado ou indicava um caminho institucional para a regeneração do regime. Soares não fez nem uma coisa nem outra, acabando por enveredar pelo pior dos caminhos: assumiu posições tribais, como se fosse um mero apparatchik socialista. É uma pena. Soares tem poder para ajudar na refundação do regime. Soares, por exemplo, devia apoiar a 'lei Marques Mendes' (todos os partidos deveriam banir os seus membros seriamente envolvidos em casos de corrupção). Soares podia, e devia, apoiar a proposta de lei do PSD e do CDS que defende o seguinte: os governos não podem continuar a nomear os directores das agências de regulação; essas nomeações devem ser feitas pelo Presidente da República. Esta proposta de lei é fundamental, porque precisamos de acabar com a promiscuidade entre os governos e as entidades de regulação. Ainda na semana passada, Sócrates colocou um ex-secretário de estado no comando da Anacom. E isto, meu caro Mário Soares, é uma vergonha institucional. Não sabemos se Sócrates tem, ou não, um carácter vergonhoso. Mas, caro Mário, já sabemos uma coisa: Sócrates trata as instituições de forma vergonhosa.

Founding fathers

A tradução de "The Federalist Papers" - livro central no pensamento político americano - foi um dos acontecimentos culturais dos últimos anos em Portugal. Esta excelente tradução - "O Federalista" (Edições Colibri) - é da responsabilidade de Viriato Soromenho Marques, um dos intelectuais portugueses mais sofisticados. Para refundar aquilo que fundou, o dr. Soares deveria ler Hamilton e Madison cinco vezes por dia.

Henrique Raposo

Tuesday, November 24, 2009

Paridade Discriminatória

No âmbito das recentes nomeações para altos cargos da União Europeia muito se discutiu sobre uma questão recorrente na nossa sociedade - a igualdade de oportunidades entre pessoas de ambos os sexos e a forma como esta deve ser atingida.

É um facto que a maioria dos lugares dirigentes nos mais diversos domínios, como na política ou no sector empresarial, são ocupados por homens, algo que se funda, sobretudo, em razões de ordem histórica e sociológica. Devo dizer, desde já, que considero aquela igualdade absolutamente fundamental numa sociedade que se quer justa, sendo que qualquer discriminação neste contexto é inaceitável. Todavia, penso que o método que tem sido crescentemente utilizado em vários países para solucionar o problema é errado, consistindo o mesmo na adopção de leis de paridade (como aconteceu em Portugal em 2006, respeitante a listas eleitorais para a Assembleia da República, para o Parlamento Europeu e para as Autarquias Locais) que impõem quotas com o objectivo de aumentar, efectivamente, a representação do sexo feminino.

Este género de medidas costumam ser justificadas pelos seus defensores com base na discriminação positiva, conceito que, a meu ver, respeita a meios de carácter excepcional cujo único fim consiste em colocar sujeitos que, à partida, se encontram em posição desfavorável numa situação de igualdade de oportunidades. É certo que há quem defenda que a finalidade deve respeitar apenas à promoção de uma mudança social, sem atender àquela igualdade, mas tal acepção justificaria medidas discriminatórias ao ponto de relegarem o mérito para segundo plano. Basta imaginar um concurso para dois cargos em que concorrem dois homens e uma mulher – na verdade, utilizando este método, esta ficaria com um dos lugares, independentemente de ser a menos qualificada para o mesmo.

Assim, o que se está de facto a fazer é forçar uma igualdade de género na ocupação de certos cargos, com recurso à desigualdade de oportunidades no acesso aos mesmos, culminando tudo isto num tratamento desigual de pessoas motivado pelo seu género e não pelo seu mérito, produzindo-se, consequentemente, uma nova discriminação não menos inaceitável àquela que, inicialmente, se pretendeu solucionar. Deste modo, usando uma técnica que, em princípio, iria promover a igualdade, acaba por se atingir uma situação de tratamento discriminatório.

Por estes motivos, julgo que uma solução correcta deve centrar-se no âmbito da igualdade de oportunidades. Esta realidade alcança-se, antes de mais, através de um sistema educativo estruturado nesse sentido, algo que nos dias de hoje já está sedimentado. O actual problema coloca-se, sobretudo, ao nível do mercado de trabalho, sendo necessária a adopção de medidas que garantam, desde logo, que ambos os sexos são remunerados em termos idênticos no desempenho da mesma actividade, assumindo importância, por exemplo, a questão das licenças parentais, entre outros meios que permitam, verdadeiramente, uma mudança social alicerçada no que é justo.

Desilusão

Henrique Medina Carreira costuma prestar um grande serviço ao país sempre que fala na televisão, alertando-nos para os verdadeiros problemas que enfrentamos (e que certamente vamos enfrentar mais arduamente no futuro), mas que os políticos não gostam de abordar. É certo que há mais comentadores que o fazem, mas Medina Carreira fá-lo num estilo e num tom muito próprio, sem papas na língua, que não deixa ninguém indiferente. Esse alerta é necessário na sociedade portuguesa, e por isso tenho-lhe feito muitos elogios.

Contudo, Medina Carreira foi para mim uma verdadeira desilusão no Plano Inclinado desta semana. Em geral, tem sido muito criticado por estar constantemente a dizer mal sem apresentar soluções, e foi isso que decidiu fazer neste terceiro programa, que tinha o objectivo de passar do diagnóstico para a receita. E, ao tentar fazê-lo, Medina Carreira não foi minimamente convincente, insistindo em soluções que não me parecem aplicáveis na realidade, e descartando qualquer caminho que João Duque ou Nuno Crato apontassem como adequado para melhorar a situação do país.

Uma das suas soluções, que já era aliás conhecida através de várias entrevistas, passa por um presidencialismo temporário. No entanto, nunca explicou muito bem de que forma é que isso garantia com certeza uma melhoria na nossa situação. E se o presidente eleito fosse incompetente? Não ficariamos pior do que agora, ao concentrar mais poder nas suas mãos? De qualquer forma, o que me parece mais relevante é o seguinte: quando olhamos para o estrangeiro, apercebemo-nos de que o sistema político não é particularmente determinante para as condições do país, e o contraste entre o presidencialismo dos EUA e o parlamentarismo do Reino Unido é um bom exemplo. Eu não tenho preferência por um sistema ou por outro, mas duvido que esta solução seja particularmente relevante.

Depois, Medina Carreira está tão obcecado com o presente que parece ignorar a importância das medidas de longo prazo. Nuno Crato falou na importância da educação para as gerações futuras, e João Duque do desenvolvimento das exportações de vinho, em quantidade e qualidade, como exemplo do tipo de inovação que precisamos. Em relação à educação, Medina Carreira crê que são medidas para muito longo prazo, e prefere mexer na justiça. Neste aspecto, sendo ele um pessimista, acabou por evidenciar o que eu considero um grande optimismo, dizendo que uma pessoa séria em três anos punha a justiça na ordem, algo que não me parece de todo possível independente da seriedade de quem esteja à frente do país. Quanto à questão do vinho, disse ser apenas um caso pontual, e que não é assim que o país cresce. Embora tenha em certo sentido razão (parece-me evidente que as exportações de vinho são insuficientes para cobrir os nossos gastos...), a verdade é que o exemplo do vinho é excelente como fonte de inspiração para outras áreas que também podemos desenvolver. Não digo que não sejam precisas reformas profundas - é indispensável mexer na educação, na justiça, e na excessiva burocracia -, o que digo é que estes exemplos pontuais também são importantes, pois se aos poucos exemplos que temos de excelência se forem somando outros que apareçam, e que inspirem ainda outros a aparecer, esse é um contributo que não é de todo irrelevante.

Depois desta nota desiludida com um comentador que realmente admiro, aqui deixo o referido programa. No próximo sábado será debatida a educação, com Maria do Carmo Vieira no lugar de João Duque.


Sunday, November 22, 2009

Cientistas Jovens

Para além dos nossos textos de opinião, de autoria pessoal, iremos deixar aqui também artigos de autores que, em conjunto, gostariamos de destacar. Contudo, isso não significa que concordamos por completo com todo e qualquer artigo que destacarmos, mas sim que se tratam de autores que apreciamos e cujas ideias, para nós, merecem um especial destaque.

Começamos por destacar o artigo desta semana de Nuno Crato para o blogue do Expresso Passeio Aleatório (também publicado na edição de imprensa), do qual é autor regular.

Chama-se Mónica Bettencourt Dias e tem um currículo invejável. Muitos catedráticos portugueses gostariam de ter uma biografia científica igualmente ilustre. A Organização Europeia da Biologia Molecular, EMBO, distinguiu-a há pouco, considerando-a um dos mais promissores jovens cientistas europeus. Regressou a Portugal depois de ter iniciado com sucesso uma carreira científica em Inglaterra e chefia um grupo de investigação. Apesar de tudo isto, está ainda a viver com base em bolsas, sem lugar definitivo numa universidade ou instituto de investigação.

É uma história notável, mas há histórias semelhantes no Portugal recente. O número de doutorados no país cresceu espectacularmente, as publicações em revistas científicas internacionais aumentaram de forma surpreendente e a participação crescente de jovens cientistas em projectos internacionais é um motivo de orgulho para todos. Motivo de orgulho é também o nosso sucesso nas Olimpíadas Internacionais de Matemática e em outras competições internacionais. Nunca os nossos jovens representantes tiveram resultados tão bons como os obtidos nos últimos anos.

Um marciano que descesse à Terra concluiria que Portugal tem um sistema de ensino excelente, que consegue formar talentos matemáticos ainda na adolescência e preparar cientistas jovens. No entanto, se o mesmo marciano resolvesse olhar para as comparações internacionais, nomeadamente para os resultados dos inquéritos TIMSS e PISA, veria que em matemática e nas ciências o nosso sistema de ensino tem problemas muito graves, que se estendem ao ensino da língua e a outras áreas.

O contraste entre os resultados da investigação científica e os do ensino deve ser, em alguma medida, explicável pelas diferentes políticas seguidas nestas duas áreas. Em ciência, optou-se pelo investimento a longo prazo, deu-se prioridade ao saber e fomentou-se a ida dos jovens para países e universidades que lhes ensinaram seriamente a área científica que preferiam. Na educação, insistiu-se que os jovens deveriam "aprender a aprender" e "desenvolver competências". O saber ficou para segundo lugar.

Em ciência, em vez de baixar os níveis de exigência com pretexto na "escola inclusiva", ou nas dificuldades dos mais desfavorecidos, abriram-se oportunidades: quem tivesse talento e força de vontade poderia agarrá-las. Em vez de fazer provas onde o sucesso fosse garantido, privilegiaram-se métodos de avaliação aferidos pela bitola dos melhores do mundo.

Em ciência, privilegiou-se a internacionalização e não se pretendeu desculpar o nosso fraco posicionamento relativo por atrasos estruturais do país ou por condições socioeconómicas desfavorecidas. Apontou-se para cima e disse-se, desde o princípio, que o importante era alcançar resultados reconhecidos nas melhores revistas internacionais. A paróquia ficou para trás.

Em ciência, nenhum ministério pretendeu retirar liberdade aos cientistas para investigarem o que quisessem e pelos métodos que escolhessem. Mas fizeram-se avaliações impiedosas dos resultados, com avaliadores internacionais exigentes. Em educação, pelo contrário, desprezaram-se os programas e as metas, fizeram-se e fazem-se exames que nada avaliam e desculpam-se os insucessos. Ao mesmo tempo, pretende-se controlar ao pormenor os métodos pedagógicos seguidos pelos professores. Em ciência, avaliam-se os resultados e dá-se liberdade nos processos. Em educação, controlam-se os processos e não se avaliam os resultados. Assim, é difícil avançar.

Nuno Crato

A Arte terá Limites?

Há uns anos circulava pela internet, a uma velocidade que só as novas tecnologias de informação permitem, um mail que se tornou muito conhecido e polémico, e que vinha acompanhado da foto à esquerda. Era sobre um artista que tinha deixado um cão a morrer de sede e de fome numa exposição de arte. Com esta peça artística, havia uma mensagem a passar: "O importante para mim é constatar a hipocrisia alheia: um animal torna-se o centro das atenções quando o ponho num local onde toda a gente espera ver arte, mas deixa de o ser quando está na rua. O cão está mais vivo do que nunca porque continua a dar que falar."

Há uns dias, no site do Expresso, li uma notícia que, com as devidas diferenças, me fez lembrar esta história do cão e do artista. No Reino Unido, uma bailarina epiléptica foi paga para ter um ataque de epilepsia em pleno espectáculo. Ficará dias sem dormir e sem comer, suspenderá a medicação e tomará estimulantes, para que durante o espectáculo o ataque possa ocorrer. O teatro diz que "num determinado momento, Marcalo poderá sofrer um ataque epiléptico. Quando este ocorrer, soará um alarme, as luzes aumentarão de intensidade, deixará de ouvir-se a música e uma série de câmaras gravará o ataque", convidando também o público a gravá-lo com o telemóvel.

Sem querer colocar estes dois eventos no mesmo saco (afinal de contas, o cão, ao contrário da bailarina, não teve escolha quanto a submeter-se ou não ao triste espectáculo), a verdade é que existe uma ligação entre eles. Ambos me fizeram colocar a questão: a arte terá limites? Isto é, será aceitável que, para se exprimir artisticamente, um artista possa utilizar todos e quaisquer meios, mesmo que sejam para promover um espectáculo absolutamente grotesco, nojento, moralmente condenável e perigoso para a saúde ou para a própria vida? A resposta, evidentemente, só pode ser não: tal não é aceitável.

Esta foi, aliás, a opinião da grande maioria das pessoas face ao triste espectáculo do cão que foi deixado a morrer de sede e de fome. Pela internet, junto com o referido mail, passaram petições com milhares de assinaturas por parte daqueles que repudiaram a situação. Felizmente, neste aspecto, parece-me que a decência ainda predomina, o que levou este evento a tornar-se ironicamente curioso: o objectivo do artista era constatar a hipocrisia das pessoas, mas o essencial acabou por ser o facto das pessoas terem podido constatar a hipocrisia do próprio artista.

Para mim, o facto de de vez em quando se levar avante um espectáculo deste tipo tem que ver com uma confusão que, aliás, é muito comum na arte pós-moderna. A confusão é entre arte e choque. Se se conseguir chocar alguém e se isso for feito num museu, foi produzida arte. Ou seja, alguns artistas pós-modernos querem-nos convencer de que as palavras arte e choque são sinónimos. Só que há um problema: não são. De facto, é possível chocar as pessoas através da arte (perco a conta ao número de vezes que fico chocado quando vejo um filme...), mas também é possível chocá-las promovendo espectáculos absolutamente básicos, primários, insultuosos, e indignos da inteligência humana.

Uma vez ouvi um engenheiro dizer que, para um trabalho de engenharia, eram necessárias as seguintes qualidades nas respectivas proporções: uma tonelada de matemática, duas toneladas de física e oito toneladas de bom senso. Ou seja, mesmo num trabalho em que é possível estabelecermos razoavelmente os nossos limites em termos mais rigorosos, através da matemática e da física, o bom senso é indispensável. A arte não pode ser excepção. E isto leva-me finalmente a responder à questão que coloquei no início: a decência e o bom senso devem estabelecer os limites para a expressão artística. Nestes casos que relatei, esses limites foram largamente ultrapassados.

Saturday, November 21, 2009

Editorial

Artes, scientia, veritas. As palavras são em latim e significam arte, conhecimento, verdade. Este foi o título escolhido porque achamos que relecte precisamente o que este espaço pretende ser: um local de partilha de opiniões e de divulgação, o mais plural possível, em que se busca a verdade através dessas duas áreas que, de certa forma, definem o ser humano: a arte e o conhecimento.

Um dos nossos principais objectivos é garantir a abordagem da maior variedade possível de temas. Por isso mesmo, e sendo um blog escrito por jovens, começamos com três pessoas que são estudantes de áreas completamente distintas: engenharia, economia e direito. Pretendemos, desta forma, que fiquem essencialmente representadas as áreas mais gerais das ciências exactas, das ciências socio-económicas e das humanidades. Ao longo do tempo iremos tentar juntar mais membros, de preferência de outras áreas, para que a pluralidade deste espaço cresça ainda mais.

Contudo, isto não significa que cada um de nós vá apenas abordar temas relacionados com o campo que estuda. Tal seria, aliás, contrário ao que pretendemos, pois também é nossa ambição mostrar, através deste espaço, que é necessário que as diversas áreas do conhecimento se complementem mutuamente se queremos compreender o mundo que nos rodeia.

Mas, afinal, o que nos une? Sendo que estamos em áreas completamente distintas, qual é o elemento de coesão que existe entre nós para que faça sentido sermos membros de um mesmo blog de opinião? A verdade é que, independentemente dos nossos caminhos distintos a nível profissional, há um caminho que partilhamos: uma visão sobre o mundo baseada na razão e no pensamento lógico como forma de procurar a verdade.