Para além dos nossos textos de opinião, de autoria pessoal, iremos deixar aqui também artigos de autores que, em conjunto, gostariamos de destacar. Contudo, isso não significa que concordamos por completo com todo e qualquer artigo que destacarmos, mas sim que se tratam de autores que apreciamos e cujas ideias, para nós, merecem um especial destaque.
Começamos por destacar o artigo desta semana de Nuno Crato para o blogue do Expresso Passeio Aleatório (também publicado na edição de imprensa), do qual é autor regular.
Chama-se Mónica Bettencourt Dias e tem um currículo invejável. Muitos catedráticos portugueses gostariam de ter uma biografia científica igualmente ilustre. A Organização Europeia da Biologia Molecular, EMBO, distinguiu-a há pouco, considerando-a um dos mais promissores jovens cientistas europeus. Regressou a Portugal depois de ter iniciado com sucesso uma carreira científica em Inglaterra e chefia um grupo de investigação. Apesar de tudo isto, está ainda a viver com base em bolsas, sem lugar definitivo numa universidade ou instituto de investigação.
É uma história notável, mas há histórias semelhantes no Portugal recente. O número de doutorados no país cresceu espectacularmente, as publicações em revistas científicas internacionais aumentaram de forma surpreendente e a participação crescente de jovens cientistas em projectos internacionais é um motivo de orgulho para todos. Motivo de orgulho é também o nosso sucesso nas Olimpíadas Internacionais de Matemática e em outras competições internacionais. Nunca os nossos jovens representantes tiveram resultados tão bons como os obtidos nos últimos anos.
Um marciano que descesse à Terra concluiria que Portugal tem um sistema de ensino excelente, que consegue formar talentos matemáticos ainda na adolescência e preparar cientistas jovens. No entanto, se o mesmo marciano resolvesse olhar para as comparações internacionais, nomeadamente para os resultados dos inquéritos TIMSS e PISA, veria que em matemática e nas ciências o nosso sistema de ensino tem problemas muito graves, que se estendem ao ensino da língua e a outras áreas.
O contraste entre os resultados da investigação científica e os do ensino deve ser, em alguma medida, explicável pelas diferentes políticas seguidas nestas duas áreas. Em ciência, optou-se pelo investimento a longo prazo, deu-se prioridade ao saber e fomentou-se a ida dos jovens para países e universidades que lhes ensinaram seriamente a área científica que preferiam. Na educação, insistiu-se que os jovens deveriam "aprender a aprender" e "desenvolver competências". O saber ficou para segundo lugar.
Em ciência, em vez de baixar os níveis de exigência com pretexto na "escola inclusiva", ou nas dificuldades dos mais desfavorecidos, abriram-se oportunidades: quem tivesse talento e força de vontade poderia agarrá-las. Em vez de fazer provas onde o sucesso fosse garantido, privilegiaram-se métodos de avaliação aferidos pela bitola dos melhores do mundo.
Em ciência, privilegiou-se a internacionalização e não se pretendeu desculpar o nosso fraco posicionamento relativo por atrasos estruturais do país ou por condições socioeconómicas desfavorecidas. Apontou-se para cima e disse-se, desde o princípio, que o importante era alcançar resultados reconhecidos nas melhores revistas internacionais. A paróquia ficou para trás.
Em ciência, nenhum ministério pretendeu retirar liberdade aos cientistas para investigarem o que quisessem e pelos métodos que escolhessem. Mas fizeram-se avaliações impiedosas dos resultados, com avaliadores internacionais exigentes. Em educação, pelo contrário, desprezaram-se os programas e as metas, fizeram-se e fazem-se exames que nada avaliam e desculpam-se os insucessos. Ao mesmo tempo, pretende-se controlar ao pormenor os métodos pedagógicos seguidos pelos professores. Em ciência, avaliam-se os resultados e dá-se liberdade nos processos. Em educação, controlam-se os processos e não se avaliam os resultados. Assim, é difícil avançar.
Nuno Crato
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