Destaque habitual para a crónica semanal de Henrique Raposo, no Expresso, publicada na edição de imprensa de dia 28 de Novembro de 2009.
No Verão, o Expresso disse logo que Sócrates sabia que a PT estava a comprar a Media Capital. Ninguém desmentiu esta notícia. Assim, temos toda a legitimidade para fazer a pergunta indigesta: o primeiro-ministro (PM) mentiu ao país? Aliás, o omnisciente cata-vento do regime, o professor Marcelo, disse várias vezes que não acreditava que Sócrates não tinha conhecimento do negócio. Portanto, temos no poder alguém que é percepcionado como, vá, um Pinóquio aprumadinho. Mas o pior nem sequer é a - possível - mentira de Sócrates. O pior é mesmo a inércia da elite 'comentadeira'. Perante o - hipotético - nariz XXL de Sócrates, esta malta mediática encolhe mediaticamente os ombros.
Quando a inércia chega a este ponto, o problema já não está no PM. O problema está, isso sim, na cobardia da dita elite. Estamos a falar da gente que sovava Santana Lopes todos os dias (e Santana, ao pé de Sócrates, é um menino). Esta indignação selectiva tem uma explicação: bater em Santana não tinha custos; bater em Sócrates tem um preço alto. É por isso que ninguém quer ver o óbvio ululante: se mentiu, Sócrates não tem condições para continuar a ser PM.
E os factos que namoram a demissão de Sócrates acumulam-se. Aparece um todas as semanas. Num trabalho da "Sábado", ficámos a saber que empresas públicas retiraram publicidade de jornais que incomodavam Sócrates. No centro desta publicidade selectiva até está um banco - teoricamente - privado: o BCP, onde Armando Vara tinha o pelouro da publicidade, cortou 75% de publicidade no "Público" e 68% no "Sol" (um facto eloquente).
Depois, José António Saraiva afirmou que alguém próximo do PM tentou subornar o "Sol" no sentido da não-publicação de notícias sobre o Freeport; como não aceitou o suborno, o jornal sofreu uma retaliação económica liderada pelo BCP. Perante a gravidade destas acusações, o Ministério Público (MP), e não a ERC, tem de entrar em cena. Esta não é uma mera questão técnica de regulação dos media. Esta é uma questão política e potencialmente criminosa.
O MP só tem dois caminhos: ou prova que Saraiva é um 'ser' inimputável, ou descobre que Saraiva está mesmo a dizer a verdade. Mas, claro, o MP vai ficar quieto. E nós, mais uma vez, vamos ficar sem uma resposta para a pergunta que paira no ar: o nosso PM é um perigoso Berlusconi de esquerda, ou é uma pobre vítima de uma cabala cinematográfica saída da mente de Dan Brown?
Apesar de tudo, no meio deste pântano de impunidade e cobardia, há uma coisa que me dá prazer em doses tântricas: Sócrates já é o pior primeiro-ministro da democracia. Ninguém tem coragem para o demitir agora, mas Sócrates já foi demitido pela nossa memória colectiva.
O povo português associará sempre o nome de Sócrates a coisas pouco recomendáveis. Uma enorme e legítima desconfiança irá sempre pairar sobre o nome de Sócrates. E isso, meus amigos, dá-me um enorme prazer. Deus pode dormir, mas a história não.
O "B-A, BA"
Quando um ministro acusa magistrados de "espionagem", só tem duas saídas: ou tem o ás e a manilha de trunfo (isto é, prova o que diz) ou demite-se. Se não tiver a dignidade para se demitir, tem de ser demitido pelo PM.
Henrique Raposo
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