Tudo mudou no ensino português com a excelente chegada da democracia. A educação, que antes estava disponível apenas para uma pequena elite priveligiada, passou a ser obrigatória para todos. E nunca poderá voltar a deixar de ser assim: um ensino universal é essencial numa sociedade democrática. Embora esta consideração possa parecer evidente, nunca é demais referi-la, pois muitos teóricos da educação, e não só, apegam-se frequentemente a este facto para descredibilizar os que criticam o ensino de hoje: quem aponta o dedo aos problemas da educação é acusado de ser contra a democracia e contra a igualdade. Este ataque desonesto e demagógico não tem, obviamente, qualquer fundamento. Que o ensino tem que ser para todos já é ponto assente para qualquer pessoa. A raiz do problema já não tem que ver com quantidade, mas com qualidade.
Ao longo dos últimos tempos, tem sido evidente o crescente facilitismo no ensino básico e secundário. Os programas e os exames têm sido alvo de duras críticas por partes de especialistas nas respectivas matérias. Por exemplo, as Sociedades Portuguesas de Matemática, de Física e de Química têm-se queixado ano após ano destas duas questões. Os programas de Matemática, disse Nuno Crato num dos últimos programas do Plano Inclinado, têm sido elaborados sobretudo por teóricos da educação: a SPM não foi consultada, e a contribuição de matemáticos foi muito secundária. Quanto aos exames, existe ainda outro dado que nos alerta para o facto de algo estranho se passar: as bruscas oscilações na média geral dos alunos de ano para ano mostram muito bem que os exames não são fiáveis. Dada a lentidão com que os sistemas educativos evoluem, uma variação desta natureza faz desconfiar que os padrões de exigência estão a ser modificados.
O plano curricular dos alunos é também cada vez mais preocupante. A transmissão de conhecimentos em matérias fundamentais passou a ser secundária no papel da escola, que tem de estar agora preocupada com dois objectivos considerados de maior importância. Um deles tem que ver com uma função meramente social, que é a de garantir que não há diferenças entre os alunos. Este conceito, muito ligado ao da chamada escola inclusiva, tem tido consequências muito negativas, pois o que se quis não foi garantir que as diferenças deveriam ser ultrapassadas dando um enorme apoio aos que têm mais dificuldades, e ao mesmo tempo evitando limitar-se a evolução daqueles com melhor preparação. Na verdade, o que se quis foi fingir que, à partida, essas diferenças não existiam de todo, e fazer tudo para que fossem disfarçadas, facilitando na avaliação e pondo em prática as teorias relativistas que procuram sustentar que qualquer opinião enunciada por um aluno é tão válida como qualquer outra, mesmo que não seja suportada por conhecimentos, mas pela ignorância.
O outro dos objectivos fundamentais que hoje se atribui à escola é o da transmissão de competências. Embora ninguém perceba muito bem o que se quer dizer com competências, a ideia que passa é a de que o ensino tem que ser mais prático, mais intuitivo, mais concreto, evitando-se teoria, a memorização e o raciocínio abstracto. A maioria das disciplinas que resultaram da última reforma da estrutura curricular evidenciam, de forma inequívoca, o que acabei de enunciar. Não consigo conceber como se continua a achar que não é fundamental que um aluno do ensino secundário de ciências conheça mais aprofundadamente a história do seu país e do mundo onde vive, ou que seja dispensável que um aluno de humanidades melhore o seu raciocínio lógico-dedutivo através da matemática, quando simultaneamente se introduzem disciplinas de brincar, como área de projecto e afins. Temo que este conceito da importância das competência não passe de um eufemismo para dispensa do conhecimento.
Finalmente, existe ainda o grave problema da formação e colocação de professores. É importante lembrar que a formação de professores, actualmente, assenta na mesma lógica que o ensino dos alunos. Isto é, é considerado muito mais importante que um professor do básico e do secundário receba uma intensa formação em teorias pedagógicas muito duvidosas, ao invés de possuir um aprofundado conhecimento na disciplina que ensina. Quanto à colocação de professores, é preocupante que esta se baseie apenas na nota final de curso, quando os critérios de faculdade para faculdade são tão variáveis. É urgente a criação de um exame de acesso à carreira docente que teste os conhecimentos essenciais dos professores, em matéria de conhecimentos gerais e específicos da disciplina que vão ensinar. Caso contrário, incentivam-se os institutos superiores a apostar no facilitismo e na subida forçada de notas, pois tais institutos serão as escolhas de topo para os que querem seguir uma carreira de docente. Estes futuros professores sabem bem que, no concurso de colocação, serão penalizados caso tenham apostado numa formação baseada na exigência e no conhecimento.
Dito isto, precisam-se de algumas reformas fundamentais na educação. Mas, olhando para a tendência recente, estas reformas parecem ser um objectivo cada vez mais longínquo de se atingir. Na parte II deste texto, procurarei abordar aqueles que penso serem os problemas fundamentais do ensino superior.
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