A propósito da "Lei da Difamação", implementada dia 1 de Janeiro de 2010 na Irlanda, que diz que quem pronunciar uma blasfémia - "uma expressão tremendamente abusiva ou insultuosa em relação a um assunto considerado sagrado por qualquer religião, causando indignação perante um número substancial de seguidores dessa religião" - arrisca-se a pagar uma multa que pode chegar aos 25 mil euros, Ferreira Fernandes escreveu este extraordinário artigo no Diário de Notícias de 5 de Janeiro.
As leis são para proteger os homens, não as ideias. Discutir (dizer alto) as ideias, as justas e as más, só tem feito bem aos homens. Foi pondo em causa a ideia de que os trovões eram ira dos deuses é que chegámos à ciência sobre os anticiclones e nos permitiu ver belas raparigas nos boletins meteorológicos. O mesmo sobre a capacidade de o homem voar: Leonardo da Vinci foi corrido como blasfemo pelos camponeses toscanos, mas graças à sua persistência, e de outros, em construir objectos voadores temos hoje as hospedeiras do ar. Certamente que há outros argumentos para defender as blasfémias, mas gosto dos argumentos que dei, lavam os olhos. Desde o primeiro dia do ano, é proibido, por lei, blasfemar na Irlanda: quem pecar paga 25 mil euros. Eu sei que há outros países em que posso ficar sem uma mão só por ter estendido um dedo àquela ideia que, sendo todo-poderosa (dizem-me), fica nervosíssima por eu lhe apontar o dedo. Mas nesses países é comum defender-se como justos os homens que fazem explodir as hospedeiras do ar. Já a Irlanda, pátria da Ryanair, põe mais aviões a blasfemar no ar do que os antiblasfemos das bombas são capazes de deitar abaixo. Daí o meu protesto por este atraso irlandês e a evocação daquela frase um dia escrita num muro lisboeta: "Se Deus existe, o problema é dele."
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