Destaque habitual para o artigo de Miguel Monjardino, publicado na edição do Expresso de 23 de Janeiro (portanto, antes do discurso de Barack Obama no Congresso).
"Sinto a mudança no ar! E vocês?", perguntou Edward Kennedy no seu grande discurso de apoio a Barack Obama na American University, em Janeiro de 2008. A multidão delirou com a retórica política apaixonada do grande leão da esquerda americana em defesa de Obama.
Kennedy morreu em Agosto do ano passado mas o seu sucessor em Washington não será Martha Coakley, a candidata escolhida pelos democratas de Massachusetts. Scott Brown, um republicano desconhecido e com uma agenda política muito diferente daquela que Kennedy defendeu no discurso na American University, é o herdeiro de um dos lugares mais sagrados da política norte-americana.
Há factores locais que explicam esta enorme surpresa política. Nos últimos dias, a Casa Branca e a liderança dos democratas no Senado e na Câmara dos Representantes crucificaram Martha Coakley e a sua campanha incompetente e distraída. Em Washington, os democratas não estão interessados em que a eleição do Massachusetts também tenha uma leitura nacional sobre Barack Obama e as suas prioridades políticas. O problema é que tem. E muitas!
Quando um estado como o Massachusetts, onde os democratas e os independentes representam 80% do eleitorado, elege um republicano com a agenda de Scott Brown, é evidente que o Presidente tem um problema político no resto do país.
A vitória de Scott Brown mostra duas coisas preocupantes para Barack Obama e para os democratas que vão a eleições no Outono. A primeira é o colapso do apoio dos independentes e dos reformados. Os independentes tendem a ser centristas do ponto de vista político - brancos e trabalhadores com pouca educação universitária. Este bloco eleitoral apoiou Obama e os democratas de uma forma decisiva em 2008. A partir da Primavera deste ano, os independentes começaram a distanciar-se do Presidente.
Scott Brown só conseguiu ganhar com o apoio deles e dos reformados. A maioria dos dois grupos é frontalmente contra a reforma da Saúde de Obama. Ao contrário do que acontece em Portugal - um país em que as pessoas tendem a ter pouca confiança em si mesmas e adoram essa coisa misteriosa e protectora chamada 'Estado' -, os independentes americanos têm enormes suspeitas em relação ao excesso de poder e influência em Washington. Estes independentes estão claramente furiosos com Obama e com a liderança democrata no Congresso. A sua influência em estados como Colorado, Wisconsin, Florida e Ohio poderá causar problemas aos democratas nas eleições do Outono e à campanha de reeleição de Obama em 2012.
A vitória de Brown tornou mais clara a dificuldade do Presidente em estabelecer uma relação emocional com a classe média americana. Maureen Dowd, a colunista do "New York Times", tem chamado a atenção para este ponto.
Onde é que tudo isto deixa Barack Obama? O Presidente precisa de convencer a maioria dos americanos de que consegue realmente liderar e ajudar a resolver os seus problemas. Mas para o realizar precisa de fazer uma escolha difícil do ponto de vista político.
Obama ganhou a presidência prometendo duas coisas: profundas mudanças políticas que tanto entusiasmaram Edward Kennedy e a ala esquerda dos democratas e cooperação com os republicanos em Washington. O problema é que o big bang legislativo de Obama está a alienar uma parte importante da coligação que o elegeu, coloca em perigo político os democratas eleitos por distritos conservadores e é incompatível com as prioridades dos republicanos.
No início do seu segundo ano na Casa Branca, Barack Obama está entre a audácia e o pragmatismo. O discurso sobre o Estado da União na próxima quarta-feira promete ser muito interessante.
Miguel Monjardino
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