Destaque habitual para o artigo que Nuno Crato escreve semanalmente no blogue do Expresso Passeio Aleatório, também publicado na edição de imprensa de 16 de Janeiro.
Os evolucionistas admitem há muito que a selecção natural foi influenciada por alterações do meio ambiente. Admitem, por exemplo, que as alterações climáticas teriam transformado as florestas onde os nossos antepassados remotos viviam, criando savanas. Questionam se essa transformação não teria acelerado a adopção de uma postura erecta, com todas as correlativas transformações do crânio e do cérebro que nos tornaram o que hoje somos.
Mais recentemente, começaram a discutir se, além dessa influência, não haveria uma outra, a da própria sociedade humana, que poderia ter acelerado as mudanças genéticas. Há algumas décadas, a simples colocação do problema teria enfurecido muitos dos que denunciavam, com razão, extrapolações evolucionistas para teorias e práticas deploráveis, de que é exemplo a eugenia. Esta última, criada pelo naturalista inglês Francis Galton, primo de Charles Darwin, preconizava que se acelerasse a evolução fomentando a procriação dos mais aptos. Na reacção à eugenia, além de argumentos morais decisivos, estava subjacente a ideia de que a selecção é um processo muito lento, com um horizonte temporal de centenas de milhares de anos, e que o desenvolvimento das sociedades humanas teria secundarizado os factores da evolução biológica. A cultura teria tomado conta do palco.
Segundo discutem hoje os evolucionistas, a cultura terá mesmo tomado o palco, mas também na selecção natural. A alteração genética, sempre em acção, mesmo nos nossos dias, terá sido influenciada e acelerada pelas nossas atitudes culturais, ou seja, pelos comportamentos transmitidos por ensino directo, pela imitação e por outras formas de interacção social. Um exemplo dessa influência é a decorrente da introdução do pastoreio nas sociedades pré-históricas. Várias investigações têm mostrado que o pastoreio e a pecuária favoreceram uma evolução biológica positiva de tolerância ao leite nos adultos.
Outro exemplo muito estudado é o da rápida mudança genética de algumas populações da África Ocidental, que aumentaram a resistência à malária. Acredita-se que essa mudança deriva da devastação de florestas pela introdução da agricultura de tubérculos. A remoção das árvores criou áreas sujeitas à saturação de águas superficiais, favorecendo a propagação de mosquitos portadores da malária. Os mais resistentes teriam sobrevivido.
Cita-se também o crescimento da espessura dos cabelos humanos operada em poucos milhares de anos em algumas zonas do globo. Pensa-se que a mudança está associada ao surgimento de uma preferência sexual por indivíduos de cabelo mais forte. Em algumas sociedades, o aparecimento dessa preferência terá acelerado essa mudança, e com uma rapidez muito maior do que a que seria de esperar da selecção biológica pura.
Para medir a influência da cultura na evolução há um instrumento decisivo: os modelos matemáticos. São os modelos matemáticos de co-evolução gene/cultura que permitem calcular as velocidades teóricas de propagação de traços genéticos em cenários diversos. Se apenas entrar em acção a aleatoriedade evolutiva, a velocidade de mudança é uma. Se houver uma selecção positiva influenciada pelas atitudes culturais, a velocidade de difusão dos novos traços é outra. Mais uma vez, é preciso fazer as contas. E as contas parecem mostrar que a cultura é um factor a ter em conta.
Nuno Crato
No comments:
Post a Comment